A elite brasileira é racista por natureza e por necessidade
Redação – redacao@negrxs50mais.com.br*
A elite brasileira é racista por natureza e por necessidade, afirma o reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente. O Negrxs50+ publica a entrevista feita pela Agência Senado dentro da campanha Racismo em Pauta, lançada na comemoração dos dez anos de vigência do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288, de 2010).
Há menos de um mês, a Faculdade Zumbi dos Palmares (Fazp), junto com a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial e diversas outras entidades, lançou a campanha Vidas Negras Importam: Movimento Ar. Já aderiram ao Movimento Ar o governo do estado de São Paulo, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e empresas como Intel, Magazine Luiza, Novartis, Suzano, Universidade Paulista (Unip).
Entidades como a TV Cultura, o Todos pela Educação, a Afrobras, a Câmara Brasileira do Livro (CBL), a Comissão Arns, os clubes de futebol Corinthians e Ponte Preta e as escolas de samba Vai-Vai e Mangueira apoiam o movimento. O objetivo é atuar em ações estratégicas para que negros tenham mais acesso à renda e à educação.
Elite racista por natureza e por necessidade
Agência Senado — A elite brasileira é racista?
José Vicente — A elite brasileira, por natureza e por necessidade, não tem como não ser racista. O racismo estrutural no país é um dos meios pelo qual ela se mantém e continua constituída como elite. Na medida em que tivesse interesse em conceder um tratamento igualitário a todos, teria que abrir mão de diversos privilégios sociais. Teria que compartilhar esses privilégios especialmente com a população negra, historicamente excluída dos ambientes em que os segmentos da chamada elite se constitui, reproduz estes mecanismos de perpetuação e se protege.
Os espaços de formação, aprimoramento, socialização e exercício do poder na sociedade brasileira ainda são profundamente marcados pelos séculos de escravidão e o racismo estrutural que se seguiu. Esses espaços continuam mantendo-se como um funil extremamente difícil de ser transposto pela imensa maioria da população negra neste país. Em suma, precisamos admitir que o racismo no Brasil tornou-se uma prática naturalizada, é parte da paisagem. É um mecanismo permanente e eficiente em seus propósitos. As práticas racistas estruturais foram de tal forma historicamente naturalizadas pelo que chamamos de elite brasileira que esses mecanismos tornaram-se de fato indiferentes para a maior parte dela.
Práticas escamoteadas de racismo estão mais ostensivas
AS — Você faz parte da articulação do Vidas Negras Importam: Movimento Ar. Fale um pouco sobre a iniciativa.
JV — Eu vejo o Vidas Negras Importam como um libelo de tudo que passamos nos últimos dez anos, por exemplo, do Estatuto da Igualdade Racial às comoções causadas pelo assassinato de George Floyd. Pense bem: enquanto se discutia o EIR no Congresso, o Brasil avançou da 12ª para a 5ª economia do mundo, sem vermos de fato mudanças significativas na condição social da maioria dos negros neste país. E hoje, em 2020, penso que a situação da maioria da negritude é ainda pior.
Nos últimos anos, as práticas — podemos dizer veladas e escamoteadas — de racismo vêm se tornando cada vez mais ostensivas, explícitas em sua operação. No mesmo momento em que o racismo sofre condenações públicas internacionalmente, aqui as forças policiais continuam sentindo-se autorizadas a agredir e matar jovens negros impunemente. Aqui chega-se ao extremo de um policial pisar no pescoço de uma mãe, uma senhora negra de 52 anos de idade, à luz do dia, na frente de todos [a agressão foi filmada e exibida no programa de TV Fantástico no dia 12 de julho. O nome da vítima não foi divulgado].
Vejo o Vidas Negras Importam como um grito desesperado, para que as instituições e a sociedade percebam que o país está à beira do precipício. Um país que assiste normalmente ao genocídio de sua juventude negra está deturpado; os propósitos mais básicos de convivência social já não funcionam. Isso precisa mudar.
Forças policiais jamais respeitaram os negros no Brasil
AS — Você citou o caso de George Floyd e a grande repressão policial contra os negros no Brasil. Como você compara as reações a essa violência policial, nos Estados Unidos e no Brasil?
JV — O caso George Floyd explicitou os dois pesos e as duas medidas com as quais as duas sociedades tratam temas idênticos. Nos EUA, a despeito até mesmo da pandemia, negros e brancos foram a grandes manifestações, exigindo que a polícia altere sua forma de agir. As mobilizações nos meios políticos, artísticos e esportivos também foi expressiva. Parece que a sociedade norte-americana tem se dado conta que esta situação chegou a um limite.
Infelizmente, não há nada parecido aqui no Brasil, nem no passado nem no presente. Mesmo diante de inúmeros casos que acontecem por aqui, que são como os que George Floyd sofreu. Aqui as polícias civis, militares, Federal, o Exército e a segurança privada praticam cotidianamente as mais degradantes cenas contra homens e mulheres negros. Um caso emblemático foi esse exibido no Fantástico, em que um policial pisoteia o pescoço de uma idosa negra na frente de todos os transeuntes. As forças policiais não respeitam e jamais respeitaram os negros no Brasil. Hoje o mundo repudia essa forma de racismo, enquanto o Brasil permanece calado
Jovens se mobilizando por mudanças
AS — Na condição de reitor da Fazp, como você avalia a reação da juventude negra hoje ao racismo?
JV — O jovem negro é quem mais sofre com a repressão policial, e isso cada vez revolta mais. Percebo que essa tensão, essa vigilância constante do ir e vir da juventude negra, a cada dia que passa é percebido como menos aceitável. Justiça seja feita, esse é o segmento social que inclusive mais tem se mobilizado contra o racismo estrutural, a meu ver. Na periferia, esses jovens, mesmo desarmados, muitas vezes têm reagido contra a repressão indiscriminada. Estão se mobilizando para cobrar mudanças, participado de reivindicações e debates, pois são o alvo preferencial dos racistas.
AS — Após 10 anos em vigor, como o senhor avalia o Estatuto da Igualdade Racial?
JV — O Estatuto foi uma conquista relevante, mas por tudo que discutimos nesta entrevista, ainda está longe de atingir seus anseios. Foi muito bem-intencionado, cobre as reivindicaçõesda comunidade negra, mas sofre de uma grande dificuldade de implementação. Criou-se a força política para sua aprovação, mas ainda não há essa força para implementá-lo. Faltam metas, cronogramas e orçamento. Cabe ao Parlamento reparar esses pontos
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*Com Agência Senado