Doença Falciforme pode agravar quadro de risco na Covid-19

Doença Falciforme pode agravar quadro de risco na Covid-19

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Redação, a partir de texto original do site Vida&Ação* – redacao@negrxs50mais.com.br

A doença falciforme pode agravar o quadro de risco na Covid-19. Uma situação comum a pessoas com doenças sanguíneas e àquelas que necessitam de tratamento com imunossupressores. É o caso, por exemplo, dos pacientes oncológicos, que são afetados pelos efeitos dos medicamentos sobre a imunidade. O alerta foi dado neste mês quando se comemora o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme, em 19 de junho.

Adriana Penna, hematologista do Hospital Santa Catarina – Paulista, afirma que não existem estudos que associem a doença diretamente ao agravamento de quadros relacionados a Covid-19. “Mesmo assim, para indivíduos com anemia do tipo falciforme, sabe-se que, devido à imunossupressão característica da doença, há uma maior vulnerabilidade do sistema imunológico. O que pode levar ao agravamento da infecção pelo coronavírus”, afirma. A anemia é uma complicação hematológica de grande incidência no Brasil.

Considerada a disfunção hereditária mais comum no Brasil – a estimativa é de 3.500 novos casos por ano a Doença Falciforme tem sua origem foi na África. Chegou ao continente americano com o tráfico de pessoas negras para serem escravizadas durante o período colonial. Atualmente  56% da população brasileira se autodeclara afrodescendente e ratifica o fato de ser a enfermidade hereditária mais comum do Brasil.

Sua prevalência é mais alta nos estados com maior concentração de afrodescendentes, mas está dispersa na população de forma heterogênea. A médica Sandra Loggetto, coordenadora do Departamento de Hematologia do Sabará Hospital Infantil, atribui o fato à miscigenação: “Por aqui qualquer pessoa pode ter a doença. É importante salientar isso, porque, às vezes, chega uma criança com sintomas, mas que é loira de olhos verdes, então nem se cogita que o problema seja doença falciforme.”

Até os cinco anos, 80% das crianças não cuidadas morrem

De acordo com o Ministério da Saúde, existem no Brasil entre 50 mil e 100 mil pacientes brasileiros diagnosticados. Oficialmente, são registrados cerca de 3,5 mil novos casos por ano. Mas os dados do PNTN (Programa Nacional de Triagem Neonatal) mostram uma incidência ainda superior. A taxa de letalidade infantil até os cinco anos de vida alcança a 80% das crianças não cuidadas. A letalidade perinatal sem cuidados fica entre 20 e 50%.

A distribuição da doença falciforme, por região do país, não é homogênea. As regiões Norte e Nordeste que apresentam alta prevalência de população afrodescendente, também apresentam as maiores taxas de incidência e de prevalência da doença. Assim, as regiões Norte e Nordeste apresentam prevalência de 6% a 10%, ao passo que, no Sul e no Sudeste, esta taxa é de 2% a 3%.

Mapa prevalência - Doença Falciforme- risco- covid-19
Fonte: Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN)

O que é a Doença Falciforme  

A doença falciforme afeta os glóbulos vermelhos, responsáveis por transportar oxigênio aos órgãos do corpo. Normalmente, eles são redondos, mas o portador da doença falciforme apresenta glóbulos vermelhos anormais, em formato de foice. Essa forma faz com que as células sejam destruídas, causando uma série de danos ao indivíduo.

A anemia falciforme acontece quando o bebê recebe dois genes anormais da hemoglobina S, um da mãe e outro do pai. Se a pessoa recebe o gene da hemoglobina S e um gene de outra hemoglobina anormal (talassemia, C, D, etc.) dos pais, ela terá doença falciforme.

O termo doença falciforme inclui tanto a anemia falciforme quanto as associações da hemoglobina S com outras hemoglobinas anormais.

Para o nascimento de uma criança com a doença falciforme é necessário que ela tenha recebido do pai e da mãe a herança do gene alterado. A constituição genética de uma pessoa é formada pelo conjunto de genes que foram herdados do pai e da mãe. A cada gestação, esse casal tem 25% de probabilidade de ter filho com o gene normal (Hb AA), 50% com o gene Hb AS (traço falciforme) e 25% com o gene Hb SS (doença falciforme).

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Com a enfermidade, os glóbulos vermelhos mudam de formato e se rompem com facilidade. Isso gera crises de dor forte provocadas pelo bloqueio do fluxo sanguíneo e pela falta de oxigenação nos tecidos, as Crises Vaso-Oclusivas (CVOs).

A doença pode se manifestar de diferentes formas. Entre os sintomas associados à doença estão a pressão baixa, fadiga, tontura, branqueamento de regiões como gengiva e olhos, falta de ar e dores musculares irregulares, fadiga intensa; palidez e pele amarelada. Problemas neurológicos, cardiovasculares, pulmonares e renais, além de tendência a infecções, são outras manifestações.

Quando os sintomas são mais fortes, comprometem a qualidade de vida e podem representar riscos graves. Pacientes acometidos pela anemia do tipo falciforme necessitam de acompanhamento médico por toda a vida.

André Abrahão, diretor médico da Novartis Oncologia, afirma que as crises de dor fazem com que muitos pacientes precisem de hospitalização. Estudos indicam que o número de CVOs está relacionado à taxa de mortalidade. “Ou seja, quanto mais crises o paciente tem, maior seu risco de morte e menor a expectativa de vida, que é 20 anos menor quando comparada ao restante da população”, afirma.

Impactos em diferentes aspectos da vida do paciente

Apesar de sua incidência ser considerada alta e de seus  impactos diretos na qualidade de vida e produtividade, a doença é pouco conhecida. A falta de informação contribui com que os pacientes enfrentem inúmeras dificuldades: físicas, econômicas e emocionais. Um levantamento internacional que avaliou o efeito da doença na vida de 2.145 pacientes, incluindo 260 brasileiros, em 16 países, mostrou que mais de quatro a cada dez pacientes acham que a doença causa alto impacto na vida familiar ou social.

Metade (51%) dos entrevistados no estudo SWAY – Sickle Cell World Assessment Survey relatou que a doença afetava negativamente seu desempenho escolar e afirmaram ter perdido, em média, mais de um dia de trabalho por semana (8,3 horas em 7 dias) por conta da disfunção. Os entrevistados declararam ainda que 58% se sentiam preocupados com a progressão e piora da sua doença; 48% tinham medo de morrer; 45% se sentiam deprimidos e 44% desamparados e frequentemente ansiosos e nervosos.

Doença falciforme - sintomas- riscos- covid 19

A médica hematologista-pediátrica do Hospital Samaritano de São Paulo e fundadora do projeto Lua Vermelha, que visa trazer visibilidade à doença e à luta dos pacientes ratifica a pesquisa. “Pouco se fala sobre isso, mas a doença afeta muito o dia a dia dos pacientes. Muitos se sentem ansiosos, têm problemas em terminar os estudos, em manter um emprego, entre muitos outros obstáculos”.

Rede de apoio e políticas públicas

Diante desse cenário, a rede de apoio é essencial para que os pacientes se sintam mais acolhidos e melhorem o seu prognóstico. “A melhor forma de acolher esses indivíduos é entendendo melhor sobre a condição, sendo empático e os ajudando a terem acesso a melhor assistência possível”, ressalta Sheila Ventura, paciente da Doença Falciforme e presidente da Associação Pró-Falcêmicos (Aprofe).

Pesquisa do Ibope mostrou que é quase unânime (94%) a percepção da necessidade de investimento em parcerias com o poder público para oferecer um tratamento de qualidade aos pacientes. “A doença é crônica e sistêmica e, por isso, a colaboração dos diferentes setores do sistema de saúde é imprescindível para encontrar um caminho para a solução, que realmente melhore a qualidade de vida desses pacientes”, diz Abrahão.

Para Sheila Ventura, a divulgação de informações sobre sintomas e diagnóstico são fundamentais para garantir a qualidade de vida dos pacientes. “Assim, conseguimos proporcionar um melhor atendimento às pessoas que vivem com a doença e aos familiares, que são afetados com todas as complicações e demandas dos pacientes. Queremos, também, conscientizar os profissionais de saúde, com dados corretos sobre atendimento, acolhimento, acesso ao tratamento”, afirma a presidente da APROFe.

Teste do Pezinho identifica doença em recém-nascidos

A doença pode ser identificada logo que o bebê nasce, com o Teste do Pezinho. No caso de um diagnóstico confirmado, o tratamento irá depender da condição. Para quadros agravados, existe a possibilidade de tratamentos mais radicais, como o transplante de medula óssea.

Uma imagem contendo no interior, mesa, de madeira, computador

Descrição gerada automaticamente

RJ cria teste obrigatório para a doença no pré-natal

No Rio de Janeiro, desde o início deste mês de junho, a Lei 9300/21, obriga as unidades de saúde públicas e privadas do estado a realizarem o exame de eletroforese de hemoglobina – o teste do pezinho – para diagnosticar doença falciforme durante o pré-natal. A iniciativa foi da deputada estadual Mônica Francisco (Psol). A lei estabelece que, caso o recém-nascido seja diagnosticado com a doença, a gestante deverá receber todas as orientações e informações necessárias, além de tratamento, acompanhamento e encaminhamento para o Serviço de Atenção Especializada. A medida complementa a Lei 3.161/98, que instituiu o programa de acompanhamento e assistência integral às pessoas que tiverem traço falciforme.

Até 27 de setembro, Dia Nacional de Combate à Doença Falciforme diversas ações devem ser realizadas. Mais informações sobre orientações aos pacientes podem ser acessadas em www.aprofe.org.br.

*Texto original publicado emVida&Ação (canal de informação, divulgação e educação sobre temas relacionados à saúde, bem-estar e sustentabilidade), com acréscimos em Instituto Pensi, Ministério da Saúde

Imagem em destaque: Anemia Falciforme Angola

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