CBF, é hora de cancelar jogo, por Vini e negros de todo o mundo
Por Ivan Accioly*
A CBF anunciou hoje a realização de um amistoso na Espanha, mais precisamente no Camp Nou, em Barcelona, contra a seleção de Guiné. É hora de cancelar! A realização de um jogo por lá nesse momento será, no mínimo, um desrespeito com Vinícius Júnior, com o povo brasileiro e negros de todo o mundo. É preciso atitudes antirracistas efetivas e não é possível contemporizar. Não bastam, com certeza, notas supostamente indignadas. Não são suficientes posts ou hashtags – como o próprio Vini apontou. São necessárias ações concretas, tais como: suspensão dos clubes, banimento e prisões de torcedores, cancelamentos de patrocinadores etc. Além disso, é obrigação se posicionar. Não há como bancar o isento. Está certo o governo brasileiro por meio do presidente Lula e dos ministros Anielle Franco, Sílvio Almeida e Flávio Dino, que cobraram posicionamento do governo espanhol e dos responsáveis pelo futebol naquele país e na Europa.
Os jogadores, os dirigentes, e técnicos têm que se manifestar e apoiar o Vini Júnior que representa cada corpo preto do mundo. Os criminosos espanhóis que se revelam nos estádios não são casos isolados. Eles estão em cada assassinato em qualquer parte. Seja do George Floyd, nos EUA; do João Pedro em São Gonçalo, do João Alberto no Carrefour no Rio grande do Sul, da Claudia Silva Ferreira, arrastada por PMs na Zona Norte do Rio. Têm suas digitais e balas nas estatísticas que mostram que 78 entre cada 100 pessoas assassinadas no Brasil em 2021 eram negras.
Racismo é invenção dos brancos
O racismo que move essas pessoas e está na base da nossa sociedade é uma invenção dos brancos. Então, se é sincero o desejo de que seja eliminado, é necessário que os brancos que ainda são os que dominam as estruturas de poder, assumam suas responsabilidades. Foram os brancos que criaram um sistema de exploração onde seus corpos estão no topo. Foram os brancos que traficaram mais de 12 milhões de corpos negros arrancados de África para serem escravizados e sustentarem um sistema econômico que se eterniza até hoje. Foram os brancos que dominaram e sugaram (ainda dominam e sugam) as riquezas dos não brancos e que criam sucessivamente estratégias de diferenciação entre as raças. Por vezes de forma sofisticada, de outras explícita, como nessas manifestações espanholas. Portanto, demonstrem vontade de mudar.
Mas parece que essa vontade jamais será real. Os que detêm privilégios não querem abrir mão deles. Os casos de racismo, para ficar só no futebol, não são recentes. Há os casos cotidianos e os mais chamativos, como os ocorridos há quase vinte anos na Europa com o Samuel Eto‘o ou, aqui no Brasil em 2014, com o goleiro Aranha, então no Santos. E, por falar em goleiro, podemos ir a 1950, com o caso clássico do estigma criado para posição a partir do Barbosa na final da seleção contra o Uruguai.
Cumplicidade entre criminosos e responsáveis pelas punições
Nos recorrentes casos de racismo contra Vinicius Junior, fica explícita a cumplicidade entre criminosos e aqueles que seriam responsáveis pelas punições. Em março do ano passado os racistas imitaram macacos num jogo contra o Mallorca, mas a promotoria entendeu que “a expressão e os sons emitidos, indubitavelmente típicos de atitudes profanas e desprezíveis”, não pareciam inicialmente “abranger a dimensão penal pública que se postula”. Já o processo pelos xingamentos num jogo contra Atlético de Madrid, em setembro, foi arquivado. Um dos argumentos foi que as ofensas teriam durado “alguns segundos”.
A Fifa tem previsão de punições, mas é preciso ter quem as aplique. Desde 2019, segundo o código disciplinar da entidade, o árbitro pode suspender o jogo. São três etapas de sanções previstas pelo protocolo:
- Parar o jogo e pedir anúncio público para encerrar imediatamente o comportamento racista.
- Suspender a partida e mandar os jogadores para os vestiários, seguido de novo anúncio para os torcedores.
- Abandonar o jogo, sempre explicando e solicitando a saída.
A pergunta que se impõe: qual deles já fez isso? Segundo a mesma Fifa, os clubes devem ser multados se algum torcedor tiver comportamento racista. Neste domingo um estádio inteiro chamou o Vini de macaco. Qual será a punição?
Racista acusa Vini e mau-caratismo de VAR é evidenciado
O racista que preside a La Liga, Javier Tebas Medrano, preferiu acusar o Vini. Nada surpreendente para um apoiador de um partido de extrema-direita, o Vox e ex-membro do fascista Fuerza Nova, extinto em 1982. O ataque contra o jogador, além do que veio da arquibancada, contou com uma armação na seleção de imagens do VAR, para justificar sua expulsão. O mau-caratismo da entidade, omitiu a agressão que ele sofreu, com um mata-leão dado pelo adversário Hugo Duro. Na hora foi exibida apenas reação do Vini depois se desvencilhar. Enquanto escrevo esse artigo, ouço na TV que, pelo menos, a equipe do VAR foi demitida.
Outra questão importante foi a falta de solidariedade dos demais jogadores. Era para todos terem parado o jogo quando o estádio gritava “mono, mono…”. Inexplicável a omissão coletiva. Nenhum ali, brancos e negros, assumiu sua responsabilidade. Após o jogo o técnico do Real Madrid, Carlo Ancelotti, agiu bem. Se negou a falar de futebol e focou sua entrevista no racismo. Papel feio fez a repórter que parecia querer minimizar as agressões ao Vini.
A profissional, que não sei quem é, precisa ler Angela Davis e entender a frase fundamental de que “em uma sociedade racista, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”.
Ideário de passado colonial ainda prevalece
Se Vini incomoda com sua arte, seu futebol, seus dribles, quem tem que mudar não é ele. Se seu corpo preto e seu talento provocam inveja e aflora o racismo de parte dos homens brancos europeus, são esses que precisam se entender como criminosos e como tal devem ser tratados. Não há meio termo.
Desde o século XV os europeus invadiram terras e saquearam povos ao redor do mundo. Espanha e Portugal se destacaram nessa missão colonial e, até hoje, não reconhecem o mal que fizeram à humanidade. Recentemente (anos 70) Portugal ainda guerreava para manter africanos sob sua tutela. No país as feridas seguem abertas e aqui já falei sobre a perseguição a Mamadou Ba. A Espanha, por exemplo, não tem lei para tratar de racismo. São dívidas às quais não basta passar uma borracha e fazer um discurso bonito. É preciso encarar de frente e tomar medidas concretas. Uma delas, CBF, é desmarcar esse jogo anunciado na Espanha para o próximo mês. O Vini e todos os negros merecem apoio, solidariedade e respeito.
*Ivan Accioly é editor do Negrxs50mais.
Imagens: reproduções de TV e redes sociais