Combate ao racismo no atendimento à saúde da população negra
Redação – redacao@negrxs50mais.com.br
No Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, nesta segunda-feira, dia 21, um dos temas em debate será o atendimento à saúde da população negra. Abuso verbal e físico, desumanização no atendimento, falta de privacidade e confidencialidade, maus-tratos e atitudes negativas e hostis de equipes de saúde são parte dos relatos de muitos negros atendidos nos serviços de saúde no Brasil.
Para ajudar a combater essa realidade, a Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente – Sobrasp estreia a série de podcasts “Pausa pro Café”, com o episódio “Discriminação Racial e a Saúde do Paciente”. Participam Francis Tourinho, secretária de Ações Afirmativas e Diversidades da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do Grupo Temático de Trabalho Equidade e Diversidade da Sobrasp; e Cecília Izidro, membra do mesmo grupo.
O podcast estará disponível no dia 21 nas plataformas Spotify, Pocket Casts, Google Podcasts e Anchor. Basta digitar ‘Pausa pro Café – SOBRASP’ no campo de busca.
Racismo “velado” dificulta estudos que comprovem iniquidades
Francis afirma que o racismo é “muito velado em nossa sociedade”. Este fato, diz, “dificulta a existência de estudos com números que comprovem que as iniquidades étnico-raciais impactam nos resultados do Sistema Único de Saúde, o SUS, quando se compara a população negra com a população branca.”
A profissional, no entanto, assegura que “todos presenciamos, todos os dias, diferenças na prestação do cuidado, no cumprimento dos protocolos clínicos, apesar de a área da saúde ter como referenciais a prática baseada em evidências e o cuidado centrado na pessoa”.
Ela ressalta a importância de focar no SUS pelo fato de a maioria da população brasileira se declarar negra e ser paciente em 76% dos atendimentos e 81% das internações no sistema. “Os profissionais de saúde do nosso SUS têm grande responsabilidade, pois lidam diretamente com os sujeitos vítimas dos processos discriminatórios”, diz.
Principais ações para combater a discriminação racial nos ambientes de saúde
– Coleta do quesito cor no SUS, bem como a análise periódica dos dados e publicação dos resultados para gerenciamento da saúde da população negra no local de atendimento, inclusive.
– Estender as estratégias de equidade étnico-racial para os outros programas de saúde existentes na rede pública (crianças, gestantes, idosos), além do próprio programa de saúde da população negra, convidando a população e os conselhos locais de saúde para o desenvolvimento conjunto de ações para melhor atendimento.
– Capacitação contínua de profissionais de saúde para a promoção da saúde da população negra por meio de estratégias de equidade étnico-racial.
– Ter profissionais com diversidade étnico-racial.
– Capacitação para a comunicação terapêutica entre profissional-paciente e desenvolvimento da compaixão clínica, que envolve aspectos como o toque, a distância, a postura, o olhar, a escuta, o silêncio, a síntese, o questionamento, o aconselhamento e o fornecimento de informações e feedback.
– Garantia de uma cultura institucional isenta de viés racial a partir de capacitação das equipes, comatendimento inclusivo daspráticas de saúde afro-brasileiras e com protagonismo do cliente e da família.
O que fazer em caso de discriminação
Em casos de racismo ou discriminação racial, Francis orienta a anotar o endereço do local, nome do autor(a), nome das testemunhas e números de documentos; ligar para 100 (serviço do governo federal para receber denúncias de violações de direitos humanos) e dirigir-se à delegacia de polícia da região onde os fatos ocorreram para fazer o boletim de ocorrência (BO).
Também é importante enviar o BO para as unidades de prefeituras ou estados responsáveis pela promoção da igualdade racial. As OABs (Ordem dos Advogados do Brasil) também podem receber a denúncia, pois contam com comissões de igualdade racial.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
Lançada em 2009 – três anos após o Ministério da Saúde reconhecer o conceito de racismo institucional – a PNSIPN tem como princípio “o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinantes sociais e condições de saúde, com vistas à promoção da equidade em saúde”.
Segundo Francis, conhecer a PNSIPN é essencial para qualquer profissional da saúde, especialmente para aqueles da Atenção Primária à Saúde (APS). Essas se caracterizam pelo vínculo com a comunidade e, consequentemente, com as diversidades. “A dificuldade em lidar com as diferenças, nesses espaços, compromete a primeira atenção prestada à população, o que pode definir todo o resultado adiante”., afirma.
Ela explica que é um desafio sensibilizar os profissionais de saúde sobre a importância da PNSIPN porque muitos nem sequer a conhecem. “Além disso, infelizmente, gestores de todas as esferas parecem não estar suficientemente convencidos nem sobre a gravidade dos dados existentes, nem sobre a força de lei dessa política”.
“A implementação da PNSIPN exige, prioritariamente, que o encontro clínico entre paciente e profissional de saúde seja centrado na pessoa e em sua diversidade étnico-racial, e que o plano terapêutico seja sensível à sua cultura e à medicina de matriz africana, inclusive. Não basta competência clínica, é preciso desenvolver compaixão. O encontro clínico é onde tudo acontece, ou não”, conclui Francis.
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