Mulheres que Acontecem na luta contra o coronavírus no Salgueiro
Por Beatriz Carvalho e Denise Santos do Núcleo Piratininga de Comunicação*
A pandemia do coronavírus está afetando toda a população, mas especialmente mulheres e moradores das favelas. O isolamento social está cobrando um preço alto tanto de seu equilíbrio psicológico quanto do financeiro.
Mas essa é também uma época importante para o aprendizado, conscientização e mobilização. É do que se deram conta as Mulheres Que Acontecem! Trata-se de um grupo de moradoras que surgiu no morro do Salgueiro, na Tijuca, com a finalidade de desenvolver os laços de união, solidariedade e de cooperação na favela em meio à crise criada pela pandemia.
O núcleo do grupo é formado por Elizabeth Lopes, Marcia Neves, Elisabete dos Santos, Denise Santos (co-autora dessa reportagem) e uma jovem integrante, Ana Paula Batista. Elas têm uma agenda de ações sociais, de organização e desenvolvimento comunitário, bem como de lazer.
Marcelo Luna, parceiro da biblioteca comunitária localizada ao lado da quadra do morro, perguntou ao grupo como estavam as doações. O grupo disse que já havia muitos recursos para distribuição de alimentos: Já havia muitos núcleos doando cestas, então foi sugerido ao Marcelo mobilizar a comunidade para conseguir máscaras para doação, porque ninguém estava doando. Nas primeiras fases da ação foram distribuídas 2.800 máscaras no Salgueiro. A expectativa é a de obter mais máscaras para atender todos moradores.
Segundo recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), o uso da máscara é indispensável para a proteção contra o novo coronavírus.
Bety Lopes: “As mulheres estão correndo atrás”
Outra mobilizadora e integrante das Mulheres que Acontecem é a técnica de enfermagem aposentada Elisabeth Lopes, 63 anos, que sempre participou de projetos comunitários no Salgueiro. Sua atuação na comunidade vem de longa data. Elisabeth já atuou na associação dos moradores como secretária da presidência e sempre participou de outros grupos comunitários no morro.
Foi na comunidade da grande Tijuca que Bety Lopes, como é carinhosamente chamada por todos, notou que esses tempos de distanciamento social mudaram a vida das mulheres: “Elas estão correndo atrás! As empregadas domésticas que estão em casa sem trabalhar, as informais, as camelôs. Todas estão dando o jeito delas, seja fazendo unhas na favela ou vendendo doces, tomando conta de crianças e por aí vai…”, afirma.
Bety acredita que as mulheres hoje se afirmaram diante dos desafios: “Então, as mulheres hoje em dia ocupam um espaço muito grande no Salgueiro. Antes eram muito submissas, mas agora está completamente diferente”.
Na parte alta, menos investimento
Andando na parte alto do morro do Salgueiro, localidade com menos investimentos da região, Bety, observa mudanças de hábito de higiene nas casas de cada moradora. “Ainda não fizemos a parte de baixo do morro”, informa Bety, relatando as visitas às casas: “O que a gente vê são as mulheres jogando cloro, limpando a entrada de casa; todo o lugar da comunidade com desinfetante, álcool para lavar as mãos, as crianças aprendendo”.
— “Não é porque a gente mora em comunidade que não vamos ter higiene pois faz parte da nossa vida”, relata a agente comunitária.
A união e a troca entre Bety, suas companheiras de jornada e as vizinhas do Salgueiro são um dos pontos altos do trabalho das Mulheres que Acontecem. As moças vão além das doações, cumprindo também um papel de política pública ao levantar dados para o censo do IBGE.
“Eu já fiz algum tempo censo do IBGE para o morro e os moradores ficavam muito acanhados ou meio confusos para responderem algumas perguntas do questionário”, lembra Bety, afirmando que a situação mudou com a nova realidade imposta pela Covid-19.
“Com a pandemia, os moradores já abrem a porta de casa e respondem direitinho, nos oferecem água e com sorriso nos agradecem por estarmos lá prestando nossos serviços. Se queremos ajuda, eles tiram uma horinha para fazer uma listinha de quantas mulheres, crianças, adultos tem na favela. Tudo isso enquanto distribuimos as máscaras. Então tudo que está acontecendo é um aprendizado para nós”, conta.
Na luta, transformando vidas
Ser mulher, negra, moradora de favela, subúrbio ou periferia, mãe solo e chefe de família, essas são características de uma parcela importante dos lares brasileiros. São mulheres reais que estão na base das desigualdades de gênero, raça e classe. Com a situação atual que estamos enfrentando, o cenário fica ainda pior.
De acordo com dados do Instituto Locomotiva, 92% das mães solos perderam renda e 72% não estão conseguindo o básico para alimentação. O grupo Mulheres que Acontecem conhece bem essa realidade e espera um futuro melhor para as moradoras do Salgueiro. “Quando tudo isso passar, espero mais união entre nós mulheres, moradores, nos projetos para ajudar a comunidade. Aqui no Salgueiro é muito carente e nós, as lideranças, conseguimos conscientizar a favela para que os moradores lutem mais e saibam cobrar com justiça as demandas, porque só com a luta dos moradores é que vamos conseguir. Se cada um fizer sua parte a gente chega lá”, finaliza Bety Lopes.
No alto do morro do Salgueiro, local famoso por ser terra de uma das escolas de samba mais premiadas do Rio, descendo e subindo as escadarias, o esquadrão Mulheres que Acontecem está realizando e transformando vidas de mulheres, meninas, meninos, jovens, idosos e tantas outras pessoas de quem o Estado carioca não parece se recordar nos tempos de coronavírus.
*Artigo escrito por: Beatriz Carvalho, jornalista e fundadora do empreendimento social Mulheres De Frente. Faz parte da Rede de Comunicadores do NPC.
*Denise Santos, repórter e agente comunitária. Locutora na rádio Se liga, Salgueiro! Responsável pela biblioteca pública e pela Horta Atitude no morro do Salgueiro. Faz parte da Rede de Comunicadores do NPC.
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Foto abertura – Maurício Hora -reprodução Facebook