É preciso estar atento e forte contra caos jamais visto
Por Zulu Araújo*
O Brasil está passando por um momento de extrema dificuldade. A pandemia do coronavírus, que já ceifou a vida de mais de 310 mil brasileiros/as avança de forma trágica sobre a nossa sociedade. A junção do negacionismo irresponsável com a incompetência na gestão da área de saúde instaurou um caos jamais visto em nossa história.
Ninguém tem mais dúvida sobre a responsabilidade que autoridades e setores conservadores do país, têm sobre esta grave situação. De forma proposital eles não adotaram as medidas mínimas necessárias para a contenção da pandemia. Medidas estas indicadas por todos os organismos nacionais e internacionais de saúde. Pior que isto, indicam medicamentos sem comprovação científica ou efeito prático. Resultado: o caos está instalado e quem está pagando a conta é nosso povo, em particular a população negra, que, mais uma vez, é a maioria dos contaminados e mortos pelo vírus.
Cansaço físico e mental, desesperança e fome
Mas também temos que admitir que a incúria dessas autoridades gerou um outro dano: o cansaço físico e mental da população, a desesperança e agora a fome, que está rondando a maioria dos lares. Sem falar que a economia foi literalmente implodida. O novo auxílio emergencial, além de ínfimo (na média não chega a 200 reais por pessoa), reduziu de forma drástica o número de beneficiados (não chega a 30 milhões), menos da metade dos necessitados. E isso é um combustível poderoso e perigoso para provocar a instabilidade social.
Para agravar a situação ainda mais, estamos vivendo um verdadeiro tsunami político com as tentativas, cada vez mais escancaradas, de supressão da democracia feita por aqueles que deveriam preservá-la. Busca-se atalhos e provocações de todas as ordens. Seja num caso de surto psicótico de um policial na Bahia. Seja com o insuflamento para que os empresários desrespeitem as normas de isolamento social, seja com a afronta intimidatória contra os governadores e prefeitos, que, a duras penas, estão enfrentando essa tragédia nacional.
Sem democracia não há como denunciar o racismo estrutural
Por isso mesmo, mais do que nunca vale a pena o alerta – É preciso estar atento e forte para não cair nessas armadilhas. É preciso estar atento e forte para não se deixar seduzir pelos arroubos autoritários. É preciso estar atento e forte para defender as instituições democráticas de nosso país. É preciso estar atento e forte para exigir dos nossos governantes que as prioridades para o nosso povo sejam vacina e auxílio emergencial digno e já.
E nós que fazemos parte da maioria da sociedade não podemos nos eximir de nossas responsabilidades. A defesa da democracia tem tudo, tudo mesmo, a ver com a luta da comunidade negra por inclusão e igualdade.
Sem democracia não há a mínima possibilidade sequer de denunciar o racismo estrutural existente em nossa sociedade quanto mais de fazer avançar pautas e medidas que beneficiem a comunidade negra e a sociedade como um todo.
Portanto, em que pese a delicadeza do momento e a complexidade do combate à pandemia, a saída tem que ser democrática. Neste sentido, é preciso que nos mobilizemos e que expressemos de forma clara o nosso compromisso com o Estado Democrático de Direito e com as instituições democráticas do nosso país, particularmente o Poder Judiciário e o Poder Legislativo, além evidentemente das organizações da sociedade civil.
Toca a zabumba que a terra é nossa!
*Zulu Araújo é mestre em Cultura e Sociedade pela Ufba. Ex-presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.
Artigo publicado originalmente na Revista Raça
Imagem destaque: Vitor Santos – Fotos Públicas