Projeto da UFRJ ensina a alunos dos 15 aos 75 anos
Por Igor Vieira do Jornal da AdUFRJ* – redacao@negrxs50mais.com.br
Alunos dos 15 aos 75 anos estão estudando matemática na Coppe, para aprender que idade é só mais um número; português, para escrever suas histórias e literatura, para conhecer as lições de vida contidas dos livros. Levar conhecimento a pessoas de fora da universidade é o objetivo do projeto de extensão ‘Letramento de Jovens, Adultos e Idosos’, da Coppe. O curso funciona em parceria com o Núcleo Interdisciplinar para Desenvolvimento Social (NIDES). As aulas são ministradas para pessoas de idade e origens diversas por alunos de licenciatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) de letras e matemática, na melhor tradição da educação humanizadora do mestre Paulo Freire.
A coordenadora do projeto é a servidora técnica-administrativa da Coppe, Denise Dantas. “O projeto começou em 2005, ao notar que muitos servidores da UFRJ, naquela época, não eram alfabetizados. Mas é aberto para todos. Por conta da proximidade, muitos alunos são moradores da Ilha do Fundão”. Segundo ela, os alunos são de todos os níveis, alfabetizados ou não. “Basta ter vontade de estar aqui”, contou Denise, que assumiu a coordenação em 2020.
São três ciclos — básico, intermediário e avançado —, cada um com nove meses de duração. Além das aulas de alfabetização, há também aulas de matemática e português. Em português, os alunos têm lições de literatura e redação e aprendem desde identificar um texto poético até redigir textos.
A caminho do Encceja
Os alunos da UFRJ comandados por Denise confessam o desejo de que os matriculados no projeto retomem o ensino formal e prestem a prova do ENCCEJA (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos). Para isso, a pró-reitora disse que em breve o projeto terá professores de ciências, história, geografia e informática.
O professor Ricardo Gonçalves, aluno de licenciatura em matemática da UFRJ, tem experiência de causa: “Sempre trabalhei como gari da Comlurb, mas só aos 38 anos fui estudar. Nunca tive alguém para me dar esse conselho. Em 2019, uma pessoa me falou para concluir o segundo grau, já que não consegui o diploma de onde eu tinha cursado por conta de problemas da escola com o MEC”. Ele estudou em uma escola estadual em Bangu, perto de onde mora.
Ricardo se reconheceu nos professores da escola: “Eles me perguntaram qual o meu sonho. Eu falei que é estar em uma sala de aula, ensinando. Sempre gostei de matemática, mas achava que já era tarde. Eles falaram: ‘Ricardo, foca em você, não importa se vai chegar lá com 50 ou 60, o importante é chegar’”. Ele passou para matemática no Enem em uma boa colocação.
Seu Tião, aos 75 anos de idade na batalha pelo diploma
Quem também se encontrou no projeto foi Natália de Souza, do quarto semestre da licenciatura em português: “Uma aluna me marcou muito, Dona Ednea, de 50 anos. Ela passou por diversas situações na vida dela, muitas perdas, mas sempre estava presente e participando da aula. Aprendo com a história de vida deles. Procurei o projeto porque me interessei pela oportunidade de lecionar. A extensão está sendo muito importante na minha vida, pessoal e profissional. Consegui encontrar meu caminho e meu ofício, e entender quem sou no aprendizado da educação”. Natália ensina uma turma diversa, com alunas como Monique e Kaylanne Costa, com 21 e 17 anos, e Sebastião Felizardo e Maria de Fátima, na casa dos 70 anos. Todos estão no ciclo intermediário.
Sebastião, de 75 anos, conhecido como “Seu Tião”, já prestou o ENCCEJA duas vezes: “Meu objetivo é tirar o diploma. Reprovei só em matemática, mas estou aprendendo muito no Letramento”, confessou Sebastião, que é servidor da UFRJ e trouxe sua vizinha Maria de Fátima, de 70 anos, moradora da ilha.
Seu Tião contou que já fez o Ensino de Jovens e Adultos (EJA) da UFRJ: “Boa parte da minha família, como meu pai e minha irmã, foram servidores da UFRJ. Eu trabalho na universidade há 44 anos, na portaria da Escola de Química, no bloco H. Antes, o servidor aqui não podia nada, mas hoje está melhorando”.
Escuta e troca entre alunos e professores movem o projeto
Kaylanne afirmou gostar do projeto: “Tive que sair da escola quando me mudei para a vila. Aqui não é como a escola, em que o assunto é dado e, mesmo se você não entendeu, já tem um próximo assunto. Aqui, os professores são muito pacientes”.
Monique concordou com Kaylanne: “Hoje já consigo ler placas, ônibus, coisas no celular, na televisão”, disse. Monique quer prestar o ENCCEJA e depois fazer um curso para trabalhar com informática.
O projeto acredita na escuta e na troca dos professores com os alunos, trabalhando com um “tema gerador”, discutido durante o ano e escolhido por eles no início de cada ciclo, decidido pelos estudantes em reunião. Este ano o tema é “violência”, presente de diferentes formas no cotidiano de cada um.
A experiência do professor que sofreu com o etarismo
O caso das três jovens de 20 anos de um curso de biomedicina de uma faculdade particular em São Paulo, debochando de uma aluna mais velha, ainda está se desdobrando. Elas divulgaram um vídeo em suas redes sociais filmando a colega Patrícia Linhares, de 45 anos, sem seu consentimento, e debochando com frases como “ela tem 40 anos, já deveria estar aposentada”. Foi formada uma rede de apoio para Patrícia e as agressoras desistiram do curso, após a repercussão do caso.
O professor Ricardo também sofreu etarismo: “Meu chefe na Comlurb falou para eu esquecer isso de estudar. Na fila de matrícula na UFRJ, estava com uniforme de gari. A mãe de um aluno perguntou se eu estava matriculando meu filho e disse ‘mas será que você vai conseguir? É longe e cansativo’. Respondi que dormir 1h e acordar às 5h, trabalhar e depois estudar para realizar meu sonho. Ensinar no Projeto Letramento tem sido uma coisa de Deus”, disse Ricardo. E dá um recado final: “Não pensem que é tarde. O importante é o que vão fazer da vida de vocês daqui para frente”.
*Publicado no Jornal da AdUFRJ
Imagem destaque: Igor Vieira