Covid-19 terá impacto arrasador, diz Coordenação dos Quilombos
Redação – com fontes na Agência Brasil e Conaq – redacao@negrxs50mais.com.br
A pandemia Covid 19 terá “impacto arrasador” nos quilombos se a doença mantiver o atual ritmo de alastramento e letalidade, segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que lançou esta semana o Observatório da Covid-19 nos Quilombos. Gerida e sistematizada pelo Instituto Socioambiental (ISA), a plataforma, online, será atualizada a partir de informações repassadas por comunidades às regionais da rede da Conaq.
Até esta sexta-feira, 29 de maio, ocorreram 203 casos de Covid-19 nos quilombos, com 47 mortos, 17 deles no estado do Pará. Segundo a Conaq, houve, em média, uma morte por dia desde o primeiro óbito reportado, em 11 de abril, no Quilombo de Abacate da Pedreira, em Macapá, no Amapá, estado que conta nove morto, sendo o segundo com mais mortes.
Na avaliação da Conaq, as ações articuladas pelo poder público têm surtido pouco efeito na proteção dos quilombolas frente à pandemia. De acordo com a entidade, “parte do problema é a ausência de dados epidemiológicos” relativos a essa parcela da população, o que a exporá ao “impacto arrasador”.
Para a Conaq, os quilombos estão relegados a uma espécie de esquecimento. A organização aponta que os conglomerados de mídia não acompanham e nem divulgam a realidade das comunidades.
Não há fatalidade e dados são subnotificados
A diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, defende que o balanço do governo federal sobre as ocorrências de covid-19 deveria ter maior detalhamento, para permitir o acompanhamento da doença em grupos social e historicamente vulneráveis, como quilombolas, indígenas, pessoas transgênero ou os que residem em periferias.
Até a noite de sexta-feira, dia 29, eram 47 mortos nos quilombos. Desses 16 no estado do Pará; nove no Amapá, sete em Pernambuco e seis no Rio de Janeiro.
O mapa indica todos os quilombos com casos de mortes notificados até a noite de sexta-feira, 29 de maio.
“São milhões de pessoas afetadas pela Covid-19, cerca de 26 mil mortes (27.878 – na noite de sexta-feira) agora, e as pessoas têm morrido em isolamento, o que já é um trauma para a própria família. As pessoas têm morrido e não têm oportunidade de um enterro digno. A família não tem a chance de chorar seus mortos. Ou seja, o desafio é desse tamanho, mas quero chamar a atenção, porque não é uma fatalidade, não é uma coincidência. Nós sabemos que os direitos à saúde e à vida estão entre os direitos fundamentais de qualquer pessoa e esses direitos fundamentais trazem junto uma obrigação das autoridades”, afirma Jurema.
Os dados de territórios quilombolas, segundo a Conaq, são subnotificados, pois muitas secretarias municipais deixam de informar quando a transmissão da doença e a morte ocorrem entre seus habitantes. Tanto as secretarias de saúde como o próprio Ministério da Saúde, diz, têm negligenciado uma atenção específica em relação às comunidades negras.
Além da grande subnotificação, há situações de dificuldades no acesso a exames e denegação de exames a pessoas com sintomas têm sido relatadas pelos quilombolas, afirma a entidade.
IBGE registra 5.972 localidades quilombolas
Em 2019, existiam 5.972 localidades quilombolas em todo o Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que adiantou a divulgação de dados do Censo para contribuir com a formulação de políticas públicas que preservem os direitos desse grupo populacional no contexto da pandemia. Em mensagem veiculada no início de abril deste ano, a Fundação Cultural Palmares informou que 3.432 comunidades quilombolas de todo o país já contam com certificado.
As informações sobre os casos nos quilombos são fruto do monitoramento autônomo desenvolvido pela Conaq junto aos territórios nos quais atua. Em relação ao panorama nacional apresentado na página de acompanhamento, são utilizados os dados das secretarias estaduais de saúde, os quais agregam o painel oficial do Ministério da Saúde.
Racismo na raiz do débito com territórios quilombolas
A entidade credita o quadro atual à falência estrutural de sucessivos governos e às dinâmicas de racismo institucional, que resultam no fato de os quilombos não contarem com um sistema de saúde e saneamento estruturados. Apesar da previsão constitucional, em função desse racismo, o Estado brasileiro segue em débito com o reconhecimento dos territórios quilombolas, o que contribui para a subestimação do número de comunidades, falta de acesso a direitos e violência no campo.
A fragilidade da assistência, a necessidade de deslocamentos até centros de saúde melhor estruturados, as condições precárias de acesso à água em muitos territórios são motivos de preocupação. Condições de higiene frágeis, diz a entidade, facilitam a propagação do vírus.
Na página de acompanhamento, além do número de óbitos de quilombolas por Covid-19 em cada município, são apresentadas informações oficiais sobre as unidades hospitalares e o número de quilombos por município e estado, oriundo do levantamento do IBGE para o censo 2020. Esse é o primeiro dado oficial de maior esforço amostral no tema, que inclui comunidades reconhecidas e não reconhecidas oficialmente. Uma ressalva da entidade é que a existência de estrutura hospitalar não atesta sua disponibilidade ou qualidade.
Não há fatalidade e será um impacto arrasador
A Conaq alerta para a desigualdade do enfrentamento ao coronavírus, que já se mostra evidente nas periferias urbanas, e terá um “impacto arrasador” nos quilombos se a doença mantiver o atual ritmo de alastramento e letalidade.
Outra dificuldade relatada em diferentes quilombos é com relação ao acesso à renda básica emergencial, especialmente quando o sistema está condicionado à Internet e muitas comunidades não tem conexões que permitam realizar os procedimentos de cadastramento via aplicativo. Faltam aos governos ações para atender essas demandas emergenciais dos quilombos.
“É perceptível a paralisia dos governantes que assistem ao caos nos quilombos e acabam por reforçar discursos vazios do governo federal, que até o momento não fez chegar amparos emergenciais e medidas de proteção mais efetivas aos quilombos em todo o Brasil. Diante das mortes já registradas e da gravidade do cenário, a Conaq exige que o governo e a sociedade brasileira se posicionem e tomem medidas em defesa da vida das famílias quilombolas.”
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Foto em destaque – Marcha das Mulheres Negras, Brasília – Ana Carolina Fernandes – Conaq