Mulheres negras 60+ são invisíveis para a propaganda brasileira

Mulheres negras 60+ são invisíveis para a propaganda brasileira

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Redação – redacao@negrxs50mais.com.br

As mulheres negras 60+ são praticamente invisíveis para a propaganda brasileira. Já os homens negros tiveram a pequena parcela de aparição como protagonistas reduzida em 15% de 2019 para 2020. As informações são do nono estudo (chamada de ondas) “Todxs”, realizado pela ONU Mulheres e Heads Propaganda. No caso dos comerciais em que a mulher madura – como classifica o estudo – aparece, 100% das protagonistas são brancas. Quando há ambos os gêneros ou várias pessoas maduras, 77% dos comerciais são apenas brancos e 23% têm uma composição diversa (brancos/negros /amarelos etc).

Em 133 marcas analisadas, 29 tiveram público maduro no casting. Dessas, três eram de produtos específicos para este público, como vitaminas, suplementos e crédito.

De acordo com o estudo, homens maduros aparecem duas vezes mais do que mulheres maduras nas propagandas. Foi constatada total ausência de mulheres maduras negras nos comerciais com apenas uma mulher madura em cena. As negras só aparecem junto com várias pessoas maduras. Como deduz o estudo, é um tipo de situação na qual é mais fácil compor a diversidade, pois há um grupo de pessoas. Mesmo assim, elas representam número bem menor do que madurxs brancxs.

Todxs-personagens 60+-TV-mulheres negras

Dentre os comerciais com a presença de pessoas maduras na TV, 49% são com homens; 26% são mulheres; 25% tem os dois gêneros (um de cada ou vários madurxs).  Em relação à raça, quando há o homem maduro, 58% são brancos e 42% são negros. No geral, as aparições na TV de homens maduros chegam a 49%, enquanto das mulheres ficam em 26%.

Comodismo da indústria de comunicação

Mulheres brancas ainda representam 74% das personagens protagonistas e homens e mulheres negros aparecem mais como coadjuvante. Ainda assim, com uma presença muito inferior se comparada aos brancos. Para Isabel Aquino, coordenadora do trabalho, há um certo comodismo da indústria de comunicação, que precisa ser confrontado. “Sobretudo em comerciais que têm homens e mulheres protagonistas e mais pessoas envolvidas em cena – apresentando a diversidade de forma óbvia em 92% dos casos.”

“Em comerciais com vários protagonistas, é mais fácil legitimar a diversidade, mas também é mais difícil trabalhar individualidade, aprofundar a personalidade. Não acho que esse tipo de representação seja necessariamente ruim, mas o fato de negros aparecerem em maior quantidade nesse tipo de peça, é sem dúvida uma sombra do racismo e da incapacidade do mercado de criar narrativas interessantes e exclusivas para personagens negros ou outros grupos minorizados”, avalia.

De acordo com o estudo, o cenário de polarização e a legitimação de discursos que diminuem, desvalorizam e esvaziam pautas identitárias, de raça e de gênero se reflete na publicidade.

Violência simbólica – a publicidade torna invisível uma raça que representa mais de 50% da população brasileira, mesmo com a evolução da pauta racial em debate globalmente.

Presença feminina negra melhora no Facebook

A presença feminina negra melhora significativamente quando são propagandas na rede social Facebook, apesar da redução geral da presença de pessoas maduras nas peças, que aparecem em apenas 6% dos posts analisados (24 posts no total). Neles, as mulheres maduras negras são 43% das aparições. Mesmo percentual para brancos. Já entre os homens maduros, 27% são negros. E dentre os posts com maduros de ambos os gêneros, 100% são brancos.

No geral do Facebook as aparições são de homens maduros é de 63% , enquanto das mulheres é de 29%. Segundo Isabel Aquino, é preciso ter cautela com o significado desses dados: “Pode ser que as marcas se sintam mais à vontade de trabalhar castings diversos no Facebook por sentirem que ali é um ambiente menos conservador que a TV, mas é necessário observar as próximas ondas (pesquisas) para confirmar uma real evolução”, explica.

O negro sozinho não representa, segundo o nosso imaginário, a condição de consumidor universal.

Sílvio Almeida

Nos dados gerais, mantido o recorte de etnia, mas sem analisar a faixa etária, a pesquisa conclui que a presença de homens negros em situações de protagonismo na TV caiu de 22% para 7% entre a oitava e a nova edição do estudo. Já a presença de mulheres negras aumentou cinco pontos percentuais na mesma comparação, sem, no entanto, ultrapassar os 25%, pico alcançado na 7ª onda do estudo (julho 2018).

Padrão de beleza não mudou

Entre as surpresas positivas, indicadas na pesquisa está o crescimento da presença de cabelos cacheados e crespos nas propagandas. O maior desde a primeira onda. Juntos, os cacheados e crespos atingiram 29% das representações entre as mulheres protagonistas. A preferência absoluta ainda é dos lisos. Mas já evoluiu, pois antes os cacheados e crespos oscilavam apenas entre 11% e 17%.

As mulheres que mais aparecem nas peças são brancas, jovens, magras, com curvas, cabelos lisos e castanhos. Os homens são brancos, fortes, com músculos torneados, cabelos lisos e castanhos. Essas caracterizações aparecem em mais de 60% das peças, tanto na TV quanto no Facebook e demonstram a dificuldade da indústria de comunicação em romper padrões.

Publicidade em cima do muro

Outro resultado que merece destaque é a grande quantidade de comerciais que são caracterizados como neutros. Eles são 1/3 do conteúdo analisado e não empoderam e nem estereotipam. Segundo o estudo, são oportunidades perdidas de evolução para um cenário mais igualitário.

Crianças pretas praticamente não existem

Isabel Aquino

Outro ponto destacado pelo trabalho foi a baixíssima presença de crianças negras nas propagandas, onde as brancas chegam a 90%. Além disso, o estudo aponta que as peças mais estereotipam do que empoderam os personagens. As meninas aparecem em universos cor de rosa. Em geral querem ser bonitas e competem entre si. Já os meninos são incentivados a estudar e pensar no futuro.

Isabel questiona seus pares: “O que nós, publicitários, estamos fazendo com as crianças? Vai dar muito mais trabalho desconstruir esse imaginário racista e estereotipado no futuro do que fazer as escolhas certas agora. Não estamos prestando atenção à infância e como esses temas estão sendo apresentados a elas”.

O que é a pesquisa

Essa é a nona edição da pesquisa (chamada de onda) Todxs. É um estudo desenvolvido pela ONU Mulheres e pela Heads Propaganda. É viabilizado pela Aliança Sem Estereótipos, um movimento que visa conscientizar anunciantes, agências e a indústria da propaganda em geral sobre a importância de eliminar os estereótipos nas campanhas publicitárias.

Em cada uma das duas ondas anuais o estudo coleta comerciais de TV durante sete dias corridos nos canais de televisão aberta e fechada de maior audiência, no caso Globo e Megapix. A partir das marcas observadas são coletadas publicações de Facebook no mesmo período. Os comerciais e posts analisados na 9ª onda foram veiculados entre 15 e 21 de fevereiro deste ano.

Mulheres negras-60+-dados- Todxs

Uma novidade foi a análise de sete dias de comerciais veiculados no canal Discovery Kids, com o objetivo de analisar a propaganda direcionada ao público infantil. Na 8ª onda já havia sido feito um projeto piloto com três dias de análise do canal infantil. Outras foram a inclusão dos públicos maduro 60+, LGBTQIA+ e PCD (pessoas com deficiência). 

Desde o primeiro levantamento em 2015, o estudo mapeia como gênero e raça são representados pela publicidade brasileira.  Já foram avaliadas 22.253 inserções de comerciais de televisão e 5.769 posts no Facebook. 

Estereótipos e empoderamentos

O estudo classifica ainda os conteúdos entre aqueles que empoderam e os que estereotipam as pessoas. Desde 2015,  a presença de pessoas negras e fora do padrão de beleza do senso comum em peças publicitárias cresceu consideravelmente. Mas, alerta o estudo, ainda está muito longe do ideal.

Para Joanna Monteiro chief creative officer da Heads, a publicidade tem papel fundamental na desconstrução de preconceitos. “É também a partir da forma como as pessoas são representadas em filmes e peças publicitárias que se constrói o imaginário coletivo: ele pode ser raso e cheio de estereótipos ou trazer representatividade de verdade. Essa discussão é urgente”, diz. 

Estereótipos 60+

  • Frágil – Idoso doente, cansado.
  • Solitários – Sozinhos, esquecidos e tristes
  • Teimoso – Rabugento, reclamão.
  • Analógico – Analfabeto digital
  • Super idoso – Doidão, inconsequente. – Ex. Pula de paraquedas
  • Fofinho – Bonzinho, com falas infantilizadas,
  • Incapaz –Posição de aprendiz, dependência.
  • Negação da velhice – Envelhecer é ruim
  • Sexualidade – Não namoram, não tem vida afetiva.
  • Improdutivos – Parados e com tempo livre
  • Sábios – Tem todas as respostas
  • Netocentrismo – A vida se resume no papel de avós/avôs
  • Inferior – Não entendem, terceirizam a comunicação.
  • Padrão do envelhecer – O mito de que todos envelhecem da mesma forma, quando, na verdade, depende de vários fatores.
  • Idoso modelo – O bonito é envelhecer sem rugas, sem flacidez. Padrão de beleza.
  • Idoso gringo – Estética do gringo americano: pele branca, magro e rico.
biotipos 60+ -mulheres negras- pesquisa

Empodera 60+

  • Trabalha – Idoso ativo.
  • Ensina algo –  Idoso que transmite seu conhecimento a alguém, se sente útil.
  • Ativo – Não está parado, tem vida ativa.
  • Digital – Usa redes sociais, faz pedidos por app.
  • Protagonista – É sujeito de suas ações, não depende de ninguém.
  • Pro aging – Aceita a velhice e se orgulha.
  • Relação afetiva – Namora.
  • Inclusivo – Faz parte de narrativas que não são da categoria de produtos para idosos.
  • Aprendiz – Idoso que aprende/descobre algo sem ser óbvio.
  • Relações intergeracionais – Idosos que não andam somente em grupos de outros idosos.
  • Divertido – Idosos felizes, animados e fazendo planos.
  • É público – Faz parte de um público amplo, está sendo lembrado.

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As imagens fazem parte da pesquisa. A foto de Isabel Aquino -divulgação

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