Ações empresariais antirracistas surpreendem e contribuem para ODS 10

Ações empresariais antirracistas surpreendem e contribuem para ODS 10

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Sideise Eloi - ODS- Sustentabilidade Por Sideise Eloi*

Este ano começou com muitas mudanças no mundo do trabalho. Com a pandemia muitos trabalhadores perderam seus ganha pão e, como era de se esperar, os negros foram os mais prejudicados com o desemprego e piores condições de trabalho. Mas ações empresariais antirracistas surpreendem o mercado com a contratação de negros para cargos de maior responsabilidade. Uma iniciativa inovadora do Magalu chega para contribuir com as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Magalu- Magazine Luiza-Programa trainee 2021

Algumas empresas e instituições estão com iniciativas de abrir vagas direcionadas para negros em cargos de maior responsabilidade. O movimento é positivo, mas precisamos monitorar essas vagas para saber quem está sendo contratado e se os cargos estão realmente sendo ocupados por negros.

Esse movimento está em evidência e requer um olhar analítico, para não correr o risco de ser apenas “Marketing Racial”. Ou seja, a contratação de uma pessoa negra como estratégia de propaganda, visando o lucro, mas não tratando a desigualdade racial de forma estrutural dentro da empresa e supostamente acenar com a ausência do racismo. Esse não parece ser a intenção do Magazine Luiza. A empresa traz uma iniciativa inovadora no campo da igualdade racial no mercado de trabalho ao direcionar o Programa de Trainees 2021 somente para população negra. A iniciativa foi alvo de críticas, mas também de muitos elogios nas redes sociais.

Desenvolvimento socioeconômico foi negado aos negros

Para aqueles que criticam é importante refrescar a memória com relação ao sistema laboral no Brasil e suas políticas. Após o período de escravidão, os negros escravizados não receberam nenhum valor pelo trabalho prestado e tampouco foram contemplados com políticas de inclusão no mercado de trabalho. Pelo contrário, houve um programa de abertura para mão-de-obra europeia, com a desculpa de que os negros não eram qualificados. Esta situação forçou os negros a ficarem com as tarefas mais pesadas e de menor remuneração, situação que permanece até hoje. Aos negros foi negado o desenvolvimento socioeconômico. Houve a mão do Estado na formação e manutenção da desigualdade racial ocupacional.

Alguns momentos da história retratam os pensamentos discriminatórios que alimentaram o quadro de desigualdade racial que temos hoje. Para ilustrar uma passagem e mostrar que a desigualdade racial no mercado de trabalho não é uma preocupação recente, Eliana Barbosa da Conceição (2013) retrata a discussão que se dava na década de 1960. Após argumentação no Ministério do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho sobre a discriminação e desigualdades raciais, um dos técnicos sugeriu fazer uma pesquisa sobre a situação da população negra para embasar uma lei de cotas para os trabalhadores negros. Ao tomar ciência, Rachel de Queiroz, escritora e jornalista cearense, escreveu uma carta ao Ministro da Justiça. Dizia que o país não poderia assumir a existência da discriminação e o mais aconselhável era continuar com a discriminação velada.

Abdias Nascimento na luta pela democracia racial

Abdias Nascimento - racismo - democracia racial

Ao longo desses anos, houve várias tentativas de se olhar para o mercado de trabalho e desenvolver uma política que pudesse contribuir com a igualdade. Abdias Nascimento, na década de 80, então senador e uma das lideranças negras brasileiras, propôs um projeto de lei estabelecendo medidas compensatórias. O objetivo era de se criar uma “verdadeira democracia racial” no Brasil.

O projeto previa 20% dos postos de trabalho, nos órgãos administrativos públicos diretos e indiretos, para homens negros e a mesma proporção para mulheres negras, nos postos de trabalho e direção. A justificativa era a indenização da sociedade e do Estado, pelo trabalho não remunerado dos negros escravizados e sub-remunerados.

Ademais, os negros não vieram para o Brasil por livre espontânea vontade, mas sob todas as formas de maus tratos e tortura física e mental. Para Abdias Nascimento “Saldar essa dívida fundamental para com os edificadores do Brasil, acrescentando que sem o esforço do trabalho do negro este país não existiria”. O movimento negro brasileiro sempre lutou bravamente pela igualdade racial dentro do país. Não houve sucesso.

Conferências mostram efeitos do racismo

Na esfera internacional tivemos vários acordos firmados, que trazem  o compromisso com a  igualdade. Desde a Carta dos Direitos Humanos, passando pela Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, até os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Este, em seu número 10, trata da Redução das Desigualdades e chama a atenção para os grupos vulneráveis e a necessidade do aumento da renda dos mais pobres. Assim, entendendo o conceito de desenvolvimento sustentável associado aos aspectos distributivos e de equidade social.

Ainda no nível mundial, foram realizadas três conferências para tratar do racismo, discriminação e preconceito racial. A última foi em Durban (2001) onde a delegação brasileira foi de grande importância e muitas das reivindicações entraram no documento final. Estas conferências serviram para mostrar as consequências do racismo, que, no caso específico do Brasil, leva a desigualdade em vários âmbitos sociais, econômicos e ambientais. E foi com a luta do movimento negro e também destes acordos mundiais que o Congresso brasileiro aprovou em 2010 o Estatuto da Igualdade Racial.

Tratamentos desiguais na desigualdade

O que vemos hoje acontecer no mercado de trabalho, de forma tardia, e que precisa de um acompanhamento para avaliar e monitorar as ações, é consequência de uma luta de anos. É um dever da sociedade, de seus órgãos públicos e privados, reconhecer o racismo estrutural e suas ramificações, que levaram à desigualdade racial nas atividades laborais.

O mercado está saindo na frente e cobramos que o Estado também reconheça sua contribuição para a desigualdade racial nesse campo. É preciso que atue com políticas de ações valorativas e afirmativas de cotas para negros e punitivas quando relacionadas ao racismo e seus desdobramentos.

Eliane Barbosa nos lembra que só há uma forma de aceitar o tratamento desigual: se for para beneficiar um grupo que historicamente recebeu tratamento desigual.

  • Sideise Eloi é psicóloga clínica e designer de sustentabilidade social. Atua em desenvolvimento profissional e relações de trabalho; projetos sociais e programas de diversidade racial empresarial.
Bibliografia:
  • Esta reflexão é parte da Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Sustentável da autora: “Desigualdade Racial no Mercado de Trabalho à Luz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, PPGPDS – UFRRJ, 2020”.
  • CONCEIÇÃO, Eliane Barbosa da. Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidade para Todos: experiência de ação afirmativa do Ministério Público do Trabalho (2003-2012). Tese doutorado – Escola e administração de Empresas de São Paulo. 2013.

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