Ensino de astronomia e física com olhar afro indígena e antirrascista

Ensino de astronomia e física com olhar afro indígena e antirrascista

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Redação – redacao@negrxs50mais.com.br

O professor Alan Brito se dedica ao ensino de astronomia e física por um viés antirracista e não euro centrado. Uma alternativa ao modelo de ensino que prevalece ao longo dos séculos e que exclui as contribuições dos povos originários ou da diáspora africana. No livro ‘Cientistas Brasileiros’, lançado neste mês de fevereiro, com apoio da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, ele destaca a importância dessa diversidade. Mostra a necessidade de repensar os processos históricos e filosóficos da construção do conhecimento e sanar injustiças sob a perspectiva afro-indígena.

Constelação do Homem Velho pelo povo indígena Guarani

Entre os exemplos que aponta estão olhares como os dos indígenas brasileiros, que enxergavam a cabeça de um homem velho onde os europeus veem a cabeça da constelação de Touro. Ou a Cosmologia Iorubá, segundo a qual o mundo está dividido em dois hemisférios distintos que se complementam para formar a cabaça da existência. Orun (céu: mundos invisíveis, abobada celeste) e Aiye (terra: mundos visíveis). E ainda o povo Tabwa, do Congo, que utiliza uma cesta como representação do céu. A tampa da cesta é a superfície terrestre. As pernas são os pontos cardeais e a alça é uma referência à Via Láctea.

Na Cosmologia Iorubá, o mundo está dividido em dois hemisférios
distintos que se complementam para formar a cabaça da
existência

Alan ressalta que os nomes das constelações vêm da mitologia grega, mas a cultura brasileira é formada também pelos saberes dos indígenas e dos africanos que foram trazidos à força. Consciente desse aspecto, o pesquisador mantém projetos de divulgação científica para jovens estudantes. Sua pesquisa volta o olhar para as raízes brasileiras e valoriza os pensamentos dos povos originários indígenas e africanos.

Física e astronomia são fundamentais na construção na identidade da sociedade

Para ele a física e astronomia não têm sido neutras, puras e ingênuas. “Além disso, têm, de forma consistente, excluído a cultura e o conhecimento de negros e indígenas de seus processos e suas práticas de ensino e divulgação.”  

Alan Brito - ensino de astronomia e física
Alan Brito

O pesquisador afirma que “física e astronomia são ciências fundamentais para a construção de nossa identidade contemporânea de sociedade científico-tecnológica. Desde antes da Grécia Antiga – disseminada como base única do conhecimento pela perspectiva hegemônica do Ocidente –, a astronomia dos povos africanos, dos babilônios, entre outras culturas, já nos propunha técnicas e modelos de mundo e universo (ou seja, cosmológicos) que nos conectam à vida prática de forma visceral, pois plantar, colher, ‘controlar’ o tempo e se conectar com o sagrado (metafísica) – atividades mediadas pela observação de objetos celestes (Sol, Terra, Lua, estrelas e planetas) – são exercícios do pensamento que nos perseguem há milênios.”

Alan, que cursou o doutorado e o pós-doutorado, com períodos no Chile e na Austrália – onde estudou com o ganhador do prêmio Nobel de Física de 2011, o professor Brian Schmidt, enxerga a ciência entrelaçada com questões sociais. Atualmente é professor no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Crianças negras não se imaginam como físicos ou astrofísicos

Ele identificou que meninas e meninos negros não se imaginam como físicos ou astrofísicos. É como se essas carreiras não pudessem fazer parte do futuro deles. Quando visita escolas, costuma ouvir: “Você é professor de educação física?” Foi dessa necessidade de representatividade que nasceu a personagem Antônia, uma menina negra que carrega os segredos do universo e o pesquisador apresenta a seus alunos.

Antônia tem cabelo crespo, tem sotaque, ela fala “oxente” e “Mainha”. Ela mostra o direito das crianças negras de fazerem perguntas, de terem espaço para a curiosidade. Por ser negro e nordestino da Bahia, o cientista afirma que até hoje sofre preconceitos. “Eu não poderia chegar aqui e dar as costas para minha história, trajetória, família. Não vim sozinho, eu represento muita gente”.

A pesquisa de Alan agrega conhecimentos de povos como os Yanomamis, os Guaranis, os Kaingangs e das populações de matriz africana. Ele defende que um saber não se sobrepõe ao outro e que uma cultura não deve ser vista como melhor do que as outras. A proposta é acrescentar as contribuições das culturas africanas e indígenas na ciência, para se ter uma compreensão mais ampla dos fenômenos da natureza e da História. Os yanomami, lembra, entendem o cosmos como algo vivo, que sonha e se manifesta, intimamente ligado a vida de todos nos

Inspiração em cometas e coriscos no céu da Bahia

Alan é baiano de Valença. Em 1986, quando tinha oito anos, o cometa Halley cruzou o céu da Terra. A imprensa registrou a frustração dos brasileiros que, devido às condições climáticas ou pela poluição, não conseguiram avistar o cometa. Aproximadamente no mesmo período, outro fato astronômico ocorreu na vida de Alan. Um “corisco” caiu em cima da casa onde ele morava. “Corisco” era como na região chamavam algum raio ou coisa que caia do céu. “Foi um furdunço, gente acreditando que o mundo ia acabar… Mas não vimos o cometa!”, diz ele. No entanto, mesmo sem ver a cauda do cometa, a união desses dois acontecimentos ficou em sua imaginação de criança.

Alguns anos depois, a família se mudou para a cidade de Feira de Santana, também na Bahia, que tem até hoje o Observatório Astronômico Antares. Alan sempre frequentava o local e folheava livros em inglês com imagens do céu. Nas manhãs de sábado não perdia o programa de ciências na televisão. Aos 13 anos, criou um clube de ciências para crianças, e com ele, realizou seu primeiro projeto científico. Queria ser astrônomo.

Quando prestaria vestibular, o curso de Física foi inaugurado na Universidade Estadual de Feira de Santana. Pouco tempo depois, como se “o universo estivesse conspirando a seu favor”, teve aulas com dois professores que tinham experiência em astronomia. Não havia livros em casa, no entanto, Alan era frequentador assíduo da biblioteca de Feira de Santana. Dessa forma, foi a primeira pessoa de sua família a entrar no ensino superior.

Compromisso com o ensino público e gratuito

Aplicado, recebeu um prêmio de iniciação científica em São Paulo. Voltou como herói para sua cidade. Os moradores comemoraram o que era uma conquista não só para Alan, mas para todos. Por ter estudado a vida inteira em escolas e universidades públicas e gratuitas, ele não consegue pensar sua carreira profissional longe dessa realidade. “Não tinham carteiras, mas tinham professores. Não tinham livros, mas tinham professores”.

Hoje Alan assume esse papel e colabora na divulgação da Ciência: “Olho para trás certo de que não estaria aqui se não fosse a escola pública que transformou a minha vida e me possibilitou mundos outros”. Alan acredita que muitas vezes uma parte importante da história se perde: as vozes de povos que são silenciados, pelo racismo e pela colonização.

O livro que reúne cientistas brasileiros do passado e contemporâneos

Em meio ao início da recuperação das áreas de pesquisas, ciências e tecnologias, alguns dos principais pesquisadores do país e seis dos pioneiros estão reunidos no livro Cientistas do Brasil. Da geração em atividade estão Ligia Pereira, coordenadora do projeto DNA do Brasil, que estuda a composição genética da população brasileira. Carlos Nobre, que mostra a importância do conhecimento sobre a Amazônia e a relação da região com o planeta. Suzana Herculano-Houzel, que descobriu como contar os neurônios dos cérebros humanos e de outros animais. Alan Alves Brito, que pesquisa o ensino de física e astronomia pela perspectiva afro-indígena e Duília Fernandes de Mello astrônoma que colabora com equipes da NASA desde 1997.

No grupo dos pioneiros estão Carlos Chagas, Berta Lutz, Adolpho Lutz, Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, Vital Brasil e Oswaldo Cruz. Todos são cientistas que deixaram seus nomes na história. Seja por meio de suas descobertas, como vacinas e identificação de causadores de doenças ou pela atividade social. No conjunto estão o soro antiofídico, o barbeiro como transmissor da febre amarela e a doença de chagas. O livro lembra também de coincidências históricas, como as falsas notícias divulgadas no início do século XX de que, quem se vacinasse, viraria boi. Agora, no século XXI a ameaça foi com jacaré.

Livro com distribuição gratuita na rede escolar municipal do Rio

Daniela Chindler, diretora da Sapoti e coordenadora da edição, destaca o momento simbólico de lançamento do livro: “Lançar esse livro agora, depois de um período de cortes de verbas púbicas para as universidades, divulgação de fake news e desvalorização do pensamento científico é muito significativo. Estamos levando, para jovens leitores, ideias e descobertas de pessoas que pensam, estudam, pesquisam e propõem melhores caminhos para a sociedade. Ensinar ciência para as crianças colabora para a compreensão e transformação do mundo.” Os alunos da rede de escolas públicas do município do Rio receberão 60% (1.200 unidades) da tiragem total de 2.000 exemplares.

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