Megaoperação policial no Rio expôs uma opção política criminosa

Megaoperação policial no Rio expôs uma opção política criminosa

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Por Ivan Accioly* – ivan_accioly@negrxs50mais.com.br

A megaoperação policial nesta terça-feira, 28 de outubro, na cidade do Rio de Janeiro, expôs uma opção política criminosa. Por enquanto já foram contadas quase 130 pessoas mortas. Foi um evidente fracasso que gerou uma tentativa descarada, por parte do governador (?) Cláudio Castro (PL), de transferir responsabilidades. Mirou no governo federal e no Supremo Tribunal Federal (STF), para obter dividendos políticos e fez falsas alegações de falta de apoio, mas que não se sustentaram frente aos fatos.

Mais uma vez um político de direita se vale da pauta da segurança como tábua de salvação frente a um fracasso prenunciado. É um velho roteiro de, quando na defensiva, apelar para o receituário tradicional das questões que amedrontam a população. Quando não é o fantasma do comunismo, é o pânico da segurança. O Rio, infelizmente, tem tradição nesse campo. Já teve falso arrastão, já teve candidato a governador que prometia acabar com a violência em seis meses e outro que defendeu sua operação de ocupação de território transmitida ao vivo pela TV como o marco de um ‘novo’ Rio de Janeiro. Só falsidade.

Um misto de espertalhões, mentirosos e inconsequentes, em resumo: criminosos sem escrúpulos. Criminosos que, de dentro de seus gabinetes refrigerados, tratam as vidas alheias como algo sem valor. Seja a população inocente que é atingida pelos “efeitos colaterais”, sejam os suspeitos de crime, os criminosos reais ou os policiais. Todos morrem enquanto esses governantes se valem de suas vidas para manterem o poder.

Megaoperação - Complexos Alemão e Penha - opção política criminosa
Corpos na Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro – Foto: Tomaz Silva – Agência Brasil

Essa operação não é um ponto fora da curva, mas a repetição de um roteiro falido que se desenrola no Rio de Janeiro há décadas. A história recente do estado está marcada por outras “megaoperações” igualmente letais e igualmente ineficazes. Quem não se lembra da chacina do Jacarezinho, em 2021? Deixou 28 mortos. Ou da Vila Cruzeiro, em 2022, com 23 mortes? Cada uma delas foi vendida à população como a “solução” ou o “golpe final” contra o crime. Mentira. Após o derramamento de sangue, a vida nas favelas retorna ao seu ciclo de precariedade e as facções criminosas, articuladas com diferentes interesses que estão longe de estarem confinados nas favelas, seguem seus roteiros.

Guerra às drogas é modelo fracassado

O modelo da “guerra às drogas” em todo o mundo é um fracasso.  No Rio de Janeiro a estratégia de confronto armado é paga em vidas jovens e negras. No entanto, as maiores apreensões de fuzis da história do Rio ocorreram fora das favelas. Na casa de um amigo do Ronnie Lessa, assassino da vereadora Marielle Franco, no bairro do Méier, foram encontrados 117 fuzis. Em uma loja no município de Nova Iguaçu foram 68 fuzis e 12 revólveres e no Aeroporto do Galeão mais 60 fuzis vindos dos EUA. Além disso, como o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski citou, em agosto passado o governo federal realizou a maior operação contra o crime organizado no país alcançando a famosa Rua Faria Lima, o centro do mercado financeiro do país. Em todos esses casos sem nenhum um tiro disparado.

Operações como a realizada matam, mas não combatem a corrupção que alimenta o crime. Não desarticulam as redes financeiras das facções e, sobretudo, não oferecem segurança à população. Apenas geram terror, trauma e mais violência e quem as provoca tem interesses bem definidos. Visam – com certeza – as urnas.

Os especialistas repetem todo o tempo que segurança pública de verdade se constrói com inteligência. Trabalho de investigação, de desarticulação das cadeias de comando e de financiamento do crime organizado, controle da circulação de armas e munições. Além disso e fundamental, com um investimento em políticas sociais, educação, cultura e geração de oportunidades principalmente para a juventude. Tudo que não faz parte da cartilha desses que defendem a eficácia desse falso confronto.

Sociedade anestesiada frente ao massacre étnico

Mas, ao invés de romperem o ciclo de exclusão e violência, esses governantes oportunistas usam a força do Estado para executar um massacre étnico. Empilham corpos numa quantidade que praticamente naturaliza a morte. Podem ser 20, 40, 60, 80, 100, 200, tanto faz. O impacto é mínimo. A sociedade está anestesiada. São governantes que optam pela repressão armada e desprezam o peso da morte.

As famílias dilaceradas não importam. Vários veículos de comunicação destacaram o número de fuzis apreendidos ou a quantidade de mandados de prisão cumpridos. Ou embarcaram com dedicação canina no falso discurso do desgovernador que choramingou uma falsa falta de apoio do governo federal. A importância das vidas – dessas vidas, óbvio – é desprezada.

A tática da falsa “guerra” contra o tráfico falha no objetivo declarado, por falso que é, e ainda alimenta um ciclo de violência e vingança. A massa de manobra das forças policiais encontra autorização para liberar os mais bestiais sentimentos. Recebem uma espécie de salvo conduto para exterminar os eleitos como inimigos. É a perpetuação de uma tragédia e as autoridades apelam para novas categorias com intuito de justificar a barbárie. O termo ‘narcoterrorista”, um passo adiante ao “narcotraficante”, foi utilizado hoje. É um risco ao ideário democrático e vai ao encontro das intervenções que o governo Trump ambiciona fazer, em princípio, na Venezuela e Colômbia, mas pode ser um convite para o alcançar o Brasil.

Vidas sacrificadas para alimentar disputas políticas

O rosto dessa “guerra” é desolador e, infelizmente, previsível. São jovens negros e pobres, moradores das favelas e comunidades que mal têm acesso à educação de qualidade, oportunidades de trabalho digno ou qualquer perspectiva de futuro. Muitos nunca conseguem nem sair de suas comunidades ao longo da vida e são cooptados pelo tráfico. A sociedade os despreza e eles formam uma mão de obra descartável para as facções. E é sobre esses jovens que atua a política de repressão do Estado.

Nesse caso o governo diz ter empregado 2,5mil policiais civis e militares no cerco aos territórios dos complexos do Alemão e da Penha. A desculpa original era a de cumprir 69 mandados de prisão e “conter a expansão territorial da facção criminosa Comando Vermelho“. Alardeada como a “maior da história”, a justificativa oficial e os discursos de planejamento, desmoronam diante do caos generalizado, das barricadas erguidas em vias da cidade e da sensação de pânico que tomou conta de bairros inteiros.

É inadmissível sacrificar vidas para alimentar disputas políticas. Até quando o Rio de Janeiro continuará a empilhar corpos em nome de uma falsa guerra? Até quando governantes, como Cláudio Castro – que, ironicamente, foi contra a PEC da Segurança que buscaria integrar as ações estaduais e federais – insistirão em uma fórmula comprovadamente desastrosa? O Rio de Janeiro merece mais do que a repetição de um roteiro de sangue e ineficácia. É preciso exigir responsabilidade dos governantes e apostar em um modelo de segurança pública que promova a vida, a justiça e a paz, e não a morte e o caos.

Infelizmente foi mais uma chacina que nunca terá julgamento ou culpados.

Imagem em destaque: Corpos levados por moradores para a Praça São Lucas, na Penha, zona norte do Rio de Janeiro, após ação policial. Foto: Eusébio Gomes – TV Brasil

* Ivan Accioly é editor de Negrxs50mais

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