Marighella tem sessões gratuitas no Rio de Janeiro, conheça sua história
Redação – redacao@negrxs50mais.com.br e Politize*
O filme que conta a história dos últimos anos da vida de Carlos Marighella tem sessões gratuitas na Baixada e São Gonçalo. A primeira neste domingo, 21, às 15 horas, em Nova Iguaçu (RJ). O líder político negro liderou um dos maiores movimentos de resistência à ditadura militar no Brasil, na década de 1960. A exibição será no Teatro Silvio Monteiro, no Complexo Cultural Nova Iguaçu. Serão oferecidos 144 ingressos, distribuídos por ordem de chegada, 30 minutos antes do horário da sessão.
Em São Gonçalo será na segunda-feira, dia 22, às 19 horas, no Centro Dimensões de Arte (Cinearte). Na terça-feira, dia 23, às 19 horas, será a vez de Duque de Caxias, no Gomeia Galpão Criativo. Na outra segunda, dia 29, às 19 horas, será em São João de Meriti, no auditório do Colégio Fator Para participar das sessões é necessário se inscrever neste link: https://bit.ly/marighellanabaixada
Primeiro longa-metragem de Wagner Moura como diretor, ‘Marighella’, é interpretado por Seu Jorge e estreou nos cinemas no dia 04 de novembro, exatamente 52 anos após o assassinato de Carlos Marighella pela ditadura, em 1969.
Na história, no comando de um grupo de jovens guerrilheiros, Marighella tenta divulgar para o povo brasileiro sua luta contra a ditadura, mas a censura desacredita a revolução. Seu principal opositor é Lúcio (Bruno Gagliasso), policial que o rotula como inimigo público nº 1. Marighella é emboscado e morto – mas seus ideais sobrevivem nas ações dos jovens guerrilheiros, que persistem na revolução.
No elenco estão Seu Jorge, Bruno Gagliasso, Luiz Carlos Vasconcellos, Herson Capri, Humberto Carrão, Adriana Esteves, Bella Camero, Maria Marighella, Ana Paula Bouzas, Carla Ribas, Jorge Paz, entre outros. O filme tem produção da O2 Filmes e coprodução da Globo Filmes e Maria da Fé.
Serviço
- Dia 21 de novembro, às 15horas
- Sessão gratuita
- Classificação indicativa: 16 anos
Quem foi Carlos Marighella
Chefe comunista; crítico de futebol em Copacabana; fã de cantores de feira; assaltante de Banco; guerrilheiro; grande apreciador de batidas de limão. Assim era apresentado Carlos Marighella na capa da revista Veja na edição de 20 de novembro de 1968. A capa estampava um cartaz procurando o inimigo número um da ditadura militar.
Mas será que a icônica descrição faz jus ao complexo personagem da história brasileira? Neste conteúdo, o Politize! te mostra quem foi Carlos Marighella e porque ele é um personagem marcante da nossa história.
O início da militância
Carlos foi o primogênito dos sete filhos de Augusto Marighella e Maria Tereza Marighella. Augusto era um italiano, entusiasta de ideias anarquistas; no Brasil, ele trabalhou como operário, mecânico, motorista de caminhão de lixo. Já a mãe de Carlos era descendente de negros escravizados de origem Hauçás – um povo do continente africano que se espalha pelo que hoje são diferentes países desde Nigéria até o Sudão.
Desde criança, Carlos foi influenciado por seu pai sobre as ideias anarquistas e emancipação dos trabalhadores. Foi também pelo incentivo do pai que ele percorreu a vida escolar, completando no ensino secundário o estudo de Ciências e Letras.
Durante os estudos, Marighella se aproximou da escrita. Ficou famosa, por exemplo, a vez em que ele respondeu a prova de física com um poema – esse que ficou fixado no ginásio da Bahia até 1964.
Prova em Verso
Doutor, a sério falo, me permita, Em versos rabiscar a prova escrita. Espelho é a superfície que produz, quando polida, a reflexão da luz. Há nos espelhos a considerar Dois casos, quando a imagem se formar. Caso primeiro: um ponto é que se tem; Ao segundo um objeto é que convém Seja figura abaixo que se vê, O espelho seja a linha beta cê. O ponto P um ponto dado seja, Como raio incidente R se veja. O raio refletido vem depois E o raio luminoso ao ponto 2. Foi traçada em seguida uma normal, O ângulo I de incidência a R igual (…) Carlos Marighella, 1929
Em 1931, a primeira prisão
Em 1931, Marighella começou o curso de Engenharia na Escola Politécnica da Bahia. Já no ano seguinte, participou de uma ocupação da Faculdade de Medicina da Bahia contra a ruptura constitucional de Getúlio Vargas junto com outras 500 pessoas, em sua maioria estudantes. Essa foi a primeira ocasião em que conheceu o cárcere.
Após ser solto, Marighella se filiou ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Pelo episódio e sua atividade junto ao partido, ele foi impedido de continuar o curso.
Em 1934, Marighella virou um dos dirigentes do partidão – como era conhecido o PCB -, ajudando a organizar o partido na Bahia. Na época, o partido não contava com mais de duas dezenas de militantes.
O início na política nacional
Aqui começa a história de Marighella na política nacional. Entre 1935 e 1969, o Brasil alternou entre um governo ditatorial, Estado Novo de Vargas (1937-1945), um período democrático e bem agitado (1946-1964), e uma ditadura Cívico-Militar (1964-1988). Em todos esses períodos, Marighella foi uma figura importante para o PCB , mantendo-se como militante ativo e influenciando outros grupos políticos.
Em 1935, houve uma tentativa de levante comunista. Conhecida como intentona comunista, a revolta aconteceu quando membros do PCB de dentro do corpo militar pegaram em armas em alguns quarteis, imaginava-se que a população se levantaria em favor da revolta para iniciar uma revolução contra Vargas – o episódio foi retratado com a história de Olga Benário Prestes no cinema.
Esse episódio fez aumentar a perseguição aos comunistas. Assim, em 1935, quando Carlos foi para o Rio de Janeiro para participar como dirigente do partido a nível nacional, as perseguições o levaram a prisão. Lá, ele permaneceu por pouco mais de um ano.
O embate com Filinto Muller e tortura
O responsável pela prisão e tortura de Marighella foi Filinto Müller, um adepto do regime nazista, que também foi responsável por prender Olga Benário. O biógrafo Mário Magalhães retrata um dos episódios em que Carlos Marighella foi torturado,
com os colegas da polícia política, Galvão, Julien e Queiroz colocaram o preso no centro do círculo e o cobriram de murros e pontapés. Desequilibrado e com os pés feridos, ele balançava feito joão-bobo. Marighella execrava tabaco, e ali descobriu que a catinga, como chamava o mau cheiro, podia ser o de menos: apagaram as pontas dos cigarros no seu corpo. Acendiam-nos novamente e queimavam sua pele. Galvão retirou o alfinete da gravata, segurou as mãos de Marighella e enfiou o metal sob as unhas, perfurando a carne. Com capricho de sádico, foi até o último dedo. As mãos se ensanguentaram e incharam.
Magalhães, 2012: 68
Em 1937, Carlos foi solto por meio de processos judiciais e manifestações políticas que tinham como objetivo garantir direitos políticos aos integrantes do PCB e outros opositores de Vargas. Contudo, a liberdade de Marighella e seus companheiros não durou muito, precisamente apenas cinco meses.
O Plano Cohen e o perigo vermelho
Em setembro do mesmo ano, o governo tornou público o plano Cohen. Descoberto por Olímpio Mourão Filho, general do Exército e chefe da agência de inteligência, o plano consistia em um documento da internacional comunista, que estaria planejando um golpe contra o Estado. Hoje se sabe que o documento foi inventado pelo próprio general e por Plinio Salgado, para ser utilizado como desculpa para implantação de um Estado de Guerra. Ambos os autores eram membros da Ação Integralista Nacional, partido fascista brasileiro fundado nos anos de 1930 e que era uma das bases de sustentação de Vargas.
Com a apresentação do “perigo vermelho de Moscou”, o governo fechou as Casas legislativas da União, dos estados e dos municípios. Os governadores que se opuseram ao golpe foram depostos e a perseguição política se intensificou. Com isso, o nosso personagem passou a viver na ilegalidade.
Liberdade e ação como Deputado
Em 1945, a Segunda Grande Guerra acabou. A participação brasileira ao lado das potências democráticas acendeu uma luz contra a ditadura interna. Naquele momento, as mobilizações por liberdades políticas levaram Vargas a anistiar os presos políticos e a marcar novas eleições para presidente e deputados de uma assembleia constituinte. Afinal, era o momento de reconstruir o regime – uma mudança para uma ordem democrática – isso significa que seria necessária uma nova constituição para inaugurar uma democracia mais ampla e mais participativa.
O partido comunista, do qual Marighella fazia parte, concorreu as eleições. E foi assim que o nosso personagem foi eleito como Deputado Federal constituinte pelo estado da Bahia.
Um exemplo de atuação de Marighella foi seu posicionamento sobre a forma como a liberdade religiosa era colocada na Constituição – tanto a carta de 1934 como a de 1946 afirmavam que a crença e culto eram livres “desde que não contravenham à ordem pública e os bons costumes”. Carlos questionou que contravir à ordem pública e os bons costumes poderia ser interpretado como qualquer coisa, dando margem a perseguições a religiões de matriz africana.
Para além disso, Marighella discursou em favor do registro de casamento civil e contra a indissolubilidade do casamento, além também do direito a divórcio, que só seria colocado em lei em 1977.
O partido de volta à ilegalidade
Em 1947, o PCB foi posto na ilegalidade como reflexo da Guerra Fria e das perseguições aos partidos comunistas em países de influência estadunidense. Uma ação no Tribunal Superior Eleitoral argumentava que o partido era uma base dos russos no Brasil e seria então uma influência externa. Assim, já no ano seguinte os mandatos de deputados do partido comunista foram cassados.
Vale destacar que Carlos viveu de 1936 a 1969 ou preso e sendo torturado, ou vivendo escondido por militares pelo PCB. As exceções foram um intervalo de dois anos entre 1936 e 1939, o momento que foi deputado constituinte e deputado federal pela Bahia, entre 1946 e 1948, e outro de 1957 até o golpe de 1964. Nesse 33 anos, foram 11 anos na ilegalidade, 22 sendo perseguido, preso ou militante escondido.
Foi somente em 1957 que o Partido de Marighella voltou à legalidade a partir do ato de Juscelino Kubitschek, que governou o Brasil entre 1956 e 1960.
Ruptura com PCB e luta armada
Na madrugada de 31 de março para o dia 1° de abril de 1964, Carlos escapou do destino de 50 mil pessoas que a ditadura perseguiu nas primeiras semanas. Naquela noite, era forte o boato sobre a saída das tropas do Rio de Janeiro e da Polícia e Exército de Minas Gerais, que rumavam para a Brasília com o objetivo de depor o então presidente João Goulart. Marighella não duvidou dos boatos, consciente de que seria um dos primeiros a receber a visita dos militares. Assim, acordou sua esposa na madrugada para colocar poucas roupas em uma mala e sair pelas escadas da residência, sem saber que no elevador estavam os policiais com o objetivo de buscá-lo.
Carlos evitou sofrer o que aconteceu com Gregório Bezerra, político pernambucano do mesmo partido de Marighella, que foi preso e torturado ainda no amanhecer do golpe.
Nas vésperas do golpe cívico-militar e percebendo a escalada de violência desde a campanha da legalidade – movimento que garantiu a posse do então vice João Goulart como presidente da República após a renúncia de Jânio Quadros – Marighella verbalizou a necessidade de o PCB buscar resistir aos atos de violência pelas armas. Essa posição, contudo, causou um desconforto dentro da organização. A partir desse momento, é possível perceber o início da ruptura de Marighella com o PCB.
Visita a Cuba e expulsão do partidão
A corrente majoritária do PCB defendia somar forças em uma frente ampla democrática para uma resistência pacífica à ditadura. Contudo, Marighella estava descontente com essa tese por acreditar que uma resistência pacífica era ineficaz para o momento. Assim, em 1967, ao visitar Cuba, ele escreve uma carta discordando do partido e, ao voltar, é expulso do mesmo.
Com o ocorrido, o comunista fundou uma organização que tentava aglutinar outros militantes excluídos do PCB por acreditarem na luta armada, além de pessoas de correntes diferentes. O objetivo era juntar pessoas de variados pensamentos políticos de esquerda e nacionalista para organizar e promover a derrubada do regime utilizando dos meios que fossem necessários.
Com grupos urbanos armados e grupo guerrilheiros, organizado em núcleos táticos de ação, o movimento realizou assaltos a bancos e a quarteis, para conseguir se financiar e manter suas armas. Um dos dois atos mais emblemáticos foi a captura do embaixador norte americano Charles Elbrick, com o objetivo de trocar a liberdade do embaixador pela de 15 presos políticos, dentre os quais estavam Gregório Bezerra.
A estratégia da Rádio Libertadora
Outra ação do grupo que ficou marcada na história foi da Rádio Libertadora, uma estratégia de propaganda do grupo que consistia na gravação de fitas K7 que pudessem ser tocadas em autofalantes e promovessem as suas ideias. Em uma das fitas Marighella diz:
Ao Povo brasileiro!
Da cidade da guerra revolucionária, nela estamos empenhados com todas as nossas forças no Brasil. A polícia nos acusa de terroristas e assaltantes, mas não somos outra coisa que não revolucionários que lutam a mão-armada contra a atual ditadura militar brasileira e o imperialismo norte-americano.
E deixa claro seus objetivos, alguns deles como:
- Derrubar a ditadura militar;
- Anular todos os seus atos desde 1964;
- Formar um governo revolucionário do povo;
- Expulsar do país os norte-americanas, expropriar firmas, bens e propriedades deles e de quem com eles colaboram;
- Expropriar os latifundiários;
- Acabar com o latifúndio;
- Transformar e melhorar as condições de vida dos operários, dos camponeses e das classes médias;
A emboscada e a falsa versão do Dops
Pouco tempo depois desse episódio da rádio, em 1969, Marighella sofreu uma emboscada. Ao prender alguns militantes e simpatizantes da ALN, a polícia conseguiu informações sobre um encontro que Carlos Marighella teria com integrantes da ALN na alameda casa branca, em São Paulo.
Na época, o Departamento de Operações Política Social (DOPS) divulgou que Marighella teria reagido a voz de prisão da polícia – o fato, contudo, foi verificado como uma invenção, de acordo com o livro Direito a Memória e a Verdade:
(…) membros da CEMDP solicitaram parecer do médico legista Nelson Massini, que forneceu elementos conclusivos para afastar a possibilidade de Marighella ter sucumbido em uma troca de tiros.
(…)Após analisar a foto do militante morto, o perito concluiu: “A posição do cadáver não é natural e sim forçada, revelando claramente que o corpo foi colocado no banco traseiro do veículo. Esta informação é baseada nos sinais de tracionamento do corpo para dentro do veículo(…)
A morte de Carlos Marighella não corresponde à versão oficial divulgada na época pelos agentes policiais. Os indícios apontam para a não ocorrência do tiroteio entre a polícia e seus supostos seguranças e indicam, também, que ele não morreu na posição em que o cadáver foi exibido para a imprensa. Carlos Marighella, afirma o parecer médico legal (…) foi morto com um tiro à curta distância depois de ter sido alvejado pelos policiais, quando já se encontrava sob seu domínio, e, portanto, sem condições de reagir. Confirma-se, assim (…), que a operação policial extrapolou o objetivo legítimo de prendê-lo (…)”
Uma vida ligada ao contexto
Duas lições importantes sobre histórias podem ser tiradas daqui:
A primeira é que tirar um personagem de seu contexto para analisá-lo não ajuda a entender nem o personagem, nem a sua época. A vida de Marighella esteve à mercê do ambiente político. Foi um chefe comunista importante do PCB em época de guerra fria e de perseguição à ideia que pregava. Foi guerrilheiro contra uma ditadura militar, quando acreditou que fosse a opção viável e morreu pelas armas.
A segunda é que muitas vezes a leitura de um personagem do passado revela muito mais do presente do que sobre o personagem. Marighella gera paixões e ódios, e sua importância é explicada pelo debate que gera até hoje na sociedade.
* O texto sobre a vida de Carlos Marighella é de autoria de Marcial Alves Cunha e foi publicado no site Politize
Imagens: Divulgação do filme Marighella e reproduções da Internet
Referências
- Magalhães, M. (2012). Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo. Editora Companhia das Letras.
- Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil.
- Ricardo José Sizílio: A autobiografia de Carlos Marighella
- Documentário “Marighella” de Isa Grinspum Ferraz
- Documentário “Marighella: Retrato falado do Guerrilheiro” de Silvio Tendler.