Candidatas 50+ enfrentam racismo e sexismo na disputa política
Redação – redacao@negrxs50mais.com.br
Candidatas 50+ dizem como enfrentam o racismo e o sexismo, além de explicarem o processo de transformação da militância no combate à violência contra a juventude em passaporte para a política partidária. São marcas comuns de Mônica Cunha e Patrícia Félix, postulantes à Câmara de Vereadores do Rio. Elas compartilham também o mesmo partido, o Psol.
Elas estão entre os 68 candidatos autodeclarados negros na disputa pelas 51 vagas na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro pelas duas coligações de partidos progressistas na cidade: “É a vez do povo” (PT/PCdoB) e “Um Rio de esperança” (Psol/UP/PCB). Desses, 16 fazem parte dos 50+ e duas estão chegando lá, aos 49 anos de idade. Na coligação liderada pelo Psol de Renata Souza (50), 38 anos de idade; são 21 do total de 47 candidatos. Na do PT de Benedita da Silva (13), com 78 anos de idade, são 26 de 52. Entre os 60 e os 69 anos são oito .
O Negrxs50+ entrevistou as duas concorrentes, Mônica Cunha (50007) e Patrícia Félix (50800), e, às vésperas das eleições do próximo domingo, dia 15, traz um pouco de suas histórias de vida e objetivos na política.
Ao longo de sua vida o que foi mais difícil enfrentar, o sexismo ou o racismo?
Mônica Cunha – O racismo com certeza. Há 14 anos, que é o tempo que tem do assassinato, do meu filho Rafael da Silva Cunha, eu acho que nada se compara a essa dor. Nada nunca vai se comparar ao tamanho do racismo que foi na minha vida e que continua sendo, pois pra mim é uma dor eterna. Então, o racismo é o pior.
Nesses 20 anos de militância entendi, senti, passei por diversas violações que chegaram ao assassinato do meu filho. Compreender isso, com o entendimento de que o racismo é o motor/o vetor, o que de real viola toda população negra. Saber que não tenho um inimigo, tenho o sistema racista que matou o meu e tristemente mata diversos filhos de mulheres negras.
Patrícia Félix – Sobre o sexismo e o racismo, os dois sempre foram muito difíceis. O Brasil é um dos piores lugares da América para se ser mulher e para se ser negro, então ser mulher negra é especialmente difícil. Lidar com a discriminação racial e a de gênero o tempo todo é um desafio enorme. A gente precisa estar sempre provando para a sociedade que é capaz, no âmbito pessoal e no profissional, quando, com muita luta, conseguimos ter uma formação e fugir à sina do subemprego e da informalidade. Encaramos jornadas duplas, triplas, contínuas, porque trabalhamos fora e ainda cuidamos da casa, das crianças, dos idosos.
As mulheres negras são a base da pirâmide da nossa sociedade. Nós somos a maioria da classe trabalhadora e também as responsáveis, em grande medida, por cuidar da outra parte. Somos a maioria também entre as mães solo, tendo que criar e prover filhos sem ajuda. E maioria nos subempregos, sempre temos os piores salários.
Dados do IBGE apontam essa discrepância salarial entre gêneros, inclusive em situações equivalentes. Mesmo quando a mulher está no mesmo patamar que o homem, no tipo de cargo ou no nível de escolaridade, há muita diferença. Isso acontece entre trabalhadores formais e informais, e de nível superior, entre funcionários de grandes empresas, em cargos de chefia… O machismo é profundo.
E se já há essa diferença toda entre homens e mulheres, imagina entre homens brancos e mulheres negras. Aí a discrepância grita. No levantamento “Diferenciais Salariais por Raça e Gênero para Formados em Escolas Públicas ou Privadas”, publicado em julho deste ano, o instituto Insper apontou que um homem branco tem um salário médio 159% maior do que uma mulher negra no país.
O problema da remuneração diferente para posições semelhantes entre homens e mulheres, e entre homens brancos e mulheres negras, que é antigo, aumentou de 2019 pra cá, sob o governo Bolsonaro.
E tem a questão da representação política. Somos 28% da população, mas somente 5% nas câmaras municipais e prefeituras. Por isso, quando a gente fala da importância de elegeremos mulheres negras, estamos falando de uma necessidade para transformarmos essa realidade absurda, desigual, profundamente violenta com as mulheres, sobretudo as pretas.
Quais principais propostas do possível mandato e – se tiver – especificar alguma para o público 50+
MC -Uma proposta específica que eu vejo e percebi nesse longo trabalho meu é que de fato temos a idade, 50, temos a labuta e temos o saber, mas temos que adequar, compartilhar isso tudo com a vida parlamentar. Levar esse saber, que, dentro da institucionalidade da Câmara de Vereadores, isso não é respeitado. Então, estar fazendo se conhecer e respeitar esse saber eu acho que é o pulo do gato.
PF – A defesa da saúde e da educação públicas e de qualidade como princípio. A luta pela valorização dos servidores públicos, apoiando suas mobilizações. A luta pela ampliação e valorização da rede de proteção à infância e juventude. A defesa pela ampliação das creches, pela ampliação e valorização da rede de apoio às mulheres no município. O combate ao racismo, machismo e LGBTfobia e a luta pela ampliação das redes de apoio. Um transporte público barato e eficiente, contra a máfia dos transportes e as tarifas extorsivas. A promoção da cultura como forma de emancipação. A valorização dos artistas do Rio e a ampliação de aparelhos culturais nas periferias. Legislar e fiscalizar o executivo com o objetivo atender aos que mais necessitam da estrutura pública municipal.
Como pauta geral vou lutar incansavelmente para barrar a tentativa de armamento da Guarda Municipal, que atinge principalmente ambulantes e pessoas em situação de rua. Vou buscar fortalecer programas de emprego e renda para a juventude; implementar um programa de saúde integral pra acompanhamento de pessoas atingidas pelas violências institucionais, urbana ou rural; lutar pelo aumento de vagas na educação em tempo integral, incluindo as creches. Meu mandato será em defesa das mulheres e antirracista, para fortalecer as políticas públicas afirmativas e universais, como o SUS e o SUAS.
Por que ser candidata já na faixa dos 50?
MC -Cara, difícil, ser mulher preta e candidata já é muito difícil, pois a gente tem que estar a todo momento cobrando o óbvio. Cobrando os direitos que deveriam ser direitos. E com os 50 mais ainda, principalmente com os 50 sendo eu Mônica Cunha, pois já tenho nesse corpo a violação pior do Estado, que foi o assassinato do meu filho. Então é muito difícil. É o cansaço pela idade, por tudo que a gente adquire aos 55. É de fato a pouca paciência, mas tem uma vantagem que eu acho muito boa, que é o amadurecimento, a compreensão de saber o momento certo de falar, de agir e de fato botar o punho cerrado e ir em frente.
Depois do assassinato de Rafael encontrei na rede de mulheres suporte para fazer do luto à luta e seguir por Justiça. Com a eleição de Marielle para vereadora, fui convidada pelo Marcelo Freixo a compor a Comissão de Direitos Humanos da Alerj. Em 2019, passei a colaborar no mandato da Renata Souza e atuar como coordenadora da comissão. Foi quando me filiei ao partido em soma na construção de uma política institucional com os movimentos sociais.
PF -Sobre ser candidata depois dos 50, na realidade vou completar 50 anos dentro de cinco meses. Mas o sentido que vejo hoje em me candidatar está totalmente ligado à maturidade e à experiência adquirida nesses mais de 30 anos de luta. Nós, mulheres pretas e periféricas, elegemos muita gente ao longo da vida, nas nossas favelas e comunidades. Por mais que a prática da velha política exclua muito a população pobre e periférica, o período eleitoral envolve muito essa parcela. E assim foi na favela Vila Vintém, em Padre Miguel, na Zona Oeste, onde nasci e cresci.
Acredito que minha candidatura hoje traz o peso e a marca da luta que sempre travei dentro e fora da favela, contra as desigualdades sociais, contra o racismo, em defesa de uma educação pública de qualidade, do acesso à cultura, da igualdade de oportunidades. Meu trabalho de todos esses anos com a juventude, principalmente crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social, e a formação que eu, a duras penas, conquistei, na pedagogia e no direito, me trouxeram muita experiência e ampliaram muito minha visão sobre as questões sociais que demandam especial atenção do poder público. Minha atuação como conselheira tutelar e as adversidades enfrentadas nesse processo foram fundamentais para eu topar encarar o desafio de me candidatar e lutar para levar tudo o que fez até esse meio século de vida para a Câmara Municipal.
Nos fale um pouco sobre sua vida na política
MC – A militância é antiga, são quase 20 anos, mas vida na política partidária é muito nova. Somou. Vim pra um lugar que construí na militância e que agora me permite ocupar essa vida política. Estar candidata é institucionalizar o que há 20 anos vem fazendo nas ruas, nas redes e na favela
Sou mãe de três filhos, educadora social, defensora de direitos humanos, feminista. Tenho muito a fazer. Desde que nos anos 2000 meu filho Rafael se tornou adolescente e autor de ato infracional e passou a cumprir medida socioeducativa no Degase, minha vida mudou completamente. Comecei a ver que o sistema criminalizava em vez de ressocializar. Em 2003 fundei o Movimento Moleque, com outras mães, para agir contra as violações sofridas pelos adolescentes e seus familiares. Em 2006 meu filho foi executado pela polícia. Foi minha maior perda. De lá pra cá sigo na luta.
PF – Nunca me candidatei antes. Tenho uma trajetória de militância em defesa dos direitos humanos de mais de três décadas, como educadora social desde a adolescência, com uma luta focada especialmente nos direitos da criança e do adolescente. Até 2016, eu não havia sentido necessidade de me organizar em nenhum partido, embora sempre tenha votado em partidos de esquerda e já viesse me aproximando do Psol.
Entrei pro partido, de fato, quando, em 2016, vimos o avanço da extrema-direita, com Bolsonaro ganhando espaço e Crivella sendo eleito no Rio. Fiz campanha para o então vereador David Miranda quando ele se candidatou a deputado federal em 2018, fui assessora dele em seus dois mandatos. Em 2019, exatamente na luta contra o fundamentalismo bolsonarista representado por Crivella, me candidatei a conselheira tutelar na Zona Sul do Rio e fui uma das lideranças na luta daquele momento contra o aparelhamento dos conselhos tutelares pela extrema-direita, lutando contra o uso do órgão por aqueles que não têm compromisso com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que deve nortear o trabalho de um conselheiro tutelar.
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Imagem destaque: montagem com fotos de Ivan Accioly e divulgação