Prêmio Profissional Virgínia Bicudo visa ações antirracistas na psicanálise

Prêmio Profissional Virgínia Bicudo visa ações antirracistas na psicanálise

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Criada fechada em casa, ela levou um susto, quando, na escola, a criançada começou a chamá-la de negrinha, afirmou Virgínia Bicudo, numa entrevista em outubro de 1983. Ela foi a primeira mulher a fazer análise na América Latina, a primeira estudiosa a redigir uma tese sobre relações raciais no Brasil, a primeira psicanalista não médica no país e integrou o primeiro Conselho Federal de Psicologia (CFP), onde tomou posse em 1973. A entidade agora recebe inscrições para o Prêmio Profissional Virgínia Bicudo, que a homenageia, até dia 30 de novembro.

Virgínia Bicudo- conselho federal de psicologia- antirracista- prêmio- Sociedade Brasileira de Psicanálise
Virgínia Bicudo (Foto: Fundo Virgínia L.
Bicudo, CDM – Sociedade Brasileira
Psicanálise de São Paulo)

O prêmio tem como objetivo identificar, valorizar e divulgar estudos e ações de psicólogas(os) e coletivos que envolvam a psicologia e as relações étnico-raciais fundamentadas nos direitos humanos e que tenham impacto na saúde mental, na redução das desigualdades sociais e no posicionamento antirracista. 

São aceitos trabalhos teórico-técnicos nas categorias – experiências individuais ou coletivas. A exigência é que contemplem o tema “Práticas para uma Psicologia Antirracista”. As inscrições devem ser feitas em  http://www2.cfp.org.br/premio/virginiabicudo

Os trabalhos do Prêmio Profissional Virgínia Bicudo deverão ser inéditos e apresentados sob a forma de artigo técnico ou relatos de práticas embasadas na ciência psicológica. Precisam, ainda, estar relacionados a um dos seguintes eixos orientadores: (i) Raças e Identidade Étnico-Racial; (ii) Violência, Morte e Luto; (iii) Modos de resistência antirracista: antimanicomial, cultural, religiosa; (iv) Interseccionalidades; ou (v) Geracional: racismo na infância, juventude e envelhecimento.

Pioneira na psicanálise brasileira

Virgínia Bicudo explicou que, depois do episódio na escola, foi atrás de defesas. Na sociologia, buscou a explicação para as questões sociais. Na psicanálise, a proteção para a rejeição. Tornou-se uma pioneira da psicanálise brasileira, com debates ainda hoje extremamente relevantes. Na década de 1940, sob o título “Estudo de Atitudes Raciais de Pretos e Mulatos em São Paulo”, a pesquisa de Virgínia foi a primeiro a ser defendida sobre o tema das relações raciais em uma universidade brasileira. (https://bit.ly/3lQsNrP)

“O Racismo está na minha ou na sua cabeça?”

O Prêmio Profissional Virgínia Bicudo é parte da campanha de enfrentamento ao racismo lançada pelo CFP e  intitulada “O Racismo está na minha ou na sua cabeça?”, prevista para ocorrer  até 2023.

Estarão em pauta temas centrais que envolvem o racismo contra a população negra e povos indígenas: do racismo estrutural ao interpessoal e subjetivo. Da branquitude como ideologia estrutural e lugar de privilégio que modela o racismo, às lutas históricas dos  movimentos negro e do indígena. Das resistências negras periféricas e religiosas às práticas antirracistas dentro do campo da psicologia, como ciência e profissão. Isso significa considerar as principais áreas da psicologia (clínica, da saúde, social, escolar, do trabalho, jurídica, do esporte, psicodiagnóstico, neuropsicologia, entre outras). E a abordagem acerca da intersecção entre racismo, classismo, sexismo e capacitismo.

Segundo o CFP haverá destaque para os povos quilombolas e a discussão do racismo na América Latina.

A campanha acontecerá com diferentes ações, tais como: 14 episódios de podcast com mais de 30 convidadas(os);  o Prêmio Profissional Virgínia Bicudo; dois livros que serão publicados em 2022, nos quais haverá artigos escritos por ganhadores do Prêmio e por convidadas(os) estudiosas(os) dos temas em questão; além do I Seminário Nacional de Psicologia e Enfrentamento ao racismo, no qual haverá 12 encontros, com 24 convidadas(os) ao todo.

Alguns episódios do Podcast já estão acessíveis em

Mais sobre Virgínia Leone Bicudo

Virgínia nasceu em São Paulo no ano de 1910 e morreu em 2003, aos 93 anos, na mesma cidade. Socióloga, foi a primeira não médica a ser reconhecida como psicanalista e se tornou essencial para construção e institucionalização da psicanálise no Brasil. Foi pioneira ao tratar do estudo das relações raciais como tema de sua dissertação de mestrado em sociologia, em 1945.

Família de Virgínia Bicudo- conselho federal de psicologia- antirracista- prêmio- Sociedade Brasileira de Psicanálise
Virgínia Bicudo com a mãe, o pai e os irmãos, em São Paulo, 1929. Da esquerda para a direita: Lourdes, Helena, Dona Joana, Carmem, Sr. Teófilo, Teófilo Jr. e Virgínia
(Foto: Fundo Virgínia L. Bicudo, CDM – Sociedade Brasileira Psicanálise de São Paulo)

Era filha da imigrante italiana Giovanna Leone e do descendente de escravizados Theophilo Bicudo. Giovanna foi babá da filha de criação do coronel e senador Bento Augusto de Almeida Bicudo, padrinho de Teófilo. Com o apoio do coronel Bicudo, Teófilo tornou-se funcionário dos Correios e Telégrafos, onde chegou ao cargo de diretor de uma agência paulistana. 

Única mulher na turma de Ciências Sociais em 1939

Virgínia estudou na Escola Normal Caetano de Campos, no bairro da Luz, na cidade de São Paulo. Depois da Escola Normal, fez o curso de educação sanitária no Instituto de Higiene de São Paulo, em 1932. Já formada, tornou-se funcionária da Diretoria do Serviço de Saúde Escolar do Departamento de Educação. Ministrou aulas de higiene em escolas do estado de São Paulo, e iniciou o curso de Ciências Sociais na Escola Livre de Sociologia e Política em 1936 e se formou em 1939.

Formatura - Virgínia Bicudo- conselho federal de psicologia- antirracista- prêmio- Sociedade Brasileira de Psicanálise- Cedoc
Formatura, em 1938. Virgínia é a única mulher da turma
(Foto: Cedoc Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo)

Fez o mestrado em sociologia pela Escola Livre de Sociologia e Política e defendeu a dissertação Estudo de atitudes raciais de pretos e mulatos em São Paulo. Foi o primeiro trabalho de pós-graduação em Ciências Sociais no Brasil a tratar de relações raciais.

Virginia Leone - conselho federal de psicologia- antirracista
Virgínia Leone Bicudo clinicou até os 90 anos de idade (Foto: Fundo Virgínia L. Bicudo, CDM – Sociedade Brasileira Psicanálise de São Paulo)

Virgínia Leone Bicudo constatou que a discriminação racial no Brasil não só estava presente nas relações sociais como adquiria um caráter específico: configurava um preconceito que minimizava o confronto direto e impedia o desenvolvimento da consciência sobre a discriminação. Seu estudo defende a tese de que o critério da aparência calcado no branqueamento constituiria o principal determinante das oportunidades de ascensão social do negro no Brasil.

Participante do Projeto Unesco no Brasil, coordenado por Roger Bastide e Florestan Fernandes, escreveu o relatório “Atitudes dos alunos dos grupos escolares em relação com a cor dos seus colegas”, publicado em 1953, na Revista Anhembi.

Primeira psicanalista sem formação médica no Brasil

Foi uma das primeiras professoras universitárias negras no Brasil. Lecionou na Universidade de São Paulo, na Santa Casa e na Escola Livre de Sociologia e Política

Professora - Virgínia Bicudo- conselho federal de psicologia- antirracista- prêmio- Sociedade Brasileira de Psicanálise
Virgínia Bicudo, 1945
(Foto: Cedoc Fundação Escola de Sociologia
e Política de São Paulo)

Virgínia Bicudo foi a primeira psicanalista sem formação médica no Brasil. Iniciou sua análise com a Dra. Adelheid Lucy Koch, primeira analista credenciada pela International Psychoanalytical Association (IPA) no Brasil. No ano de 1937,  se candidatou à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e foi aprovada como membro efetivo em 1945. Em 1962, foi eleita presidente da segunda diretoria do Instituto de Psicanálise, função que desempenhou até 1975.

Virgínia iniciou, em 1970, na capital, Brasília, a análise e o ensino para seis psiquiatras (Caiuby de Azevedo Marques Trench, Humberto Haydt de Souza Mello, Ronaldo Mendes de Oliveira Castro, Tito Nícias Rodrigues Teixeira da Silva e Luiz Meyer). O grupo foi encampado pela Sociedade de Psicanálise de São Paulo e formou a primeira turma da atual Sociedade de Psicanálise de Brasília.

Livros

  • BICUDO, Virgínia Leone. Nosso Mundo Mental. São Paulo: Instituição Brasileira de Difusão Cultural, 1956.
  • BICUDO, Virgínia Leone. Comunicação não-verbal como expressão de onipotência e onisciênciaRevista Brasileira de Psicanálise, São Paulo, vol.37, n.4, 983-992, 2003.

Imagem destaque: colagem de ilustração do GEA MultiRio/ Beta Egypto e cartaz campanha do CFP Fontes: Multirio e CFP

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