Quem pode ser modelo? Existe diversidade na moda brasileira?

Quem pode ser modelo? Existe diversidade na moda brasileira?

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Patrícia Dias-Moda-Imagem-Negros-marketing Por Patry Dias

No ano de 2020 o  São Paulo Fashion Week, SPFW,  foi diferente, com 50% de modelos negros, em todas as suas tonalidades, na passarela. Uma proposta significante, que – espero – permaneça, uma vez que o Brasil é composto de 56.2% de negros, que têm a visibilidade em torno de 16% nas campanhas publicitárias. Mas quem pode ser modelo? Esse é o tema sobre o qual vamos conversar hoje. Afinal, o apelo da diversidade é muito questionado, mas será que existe diversidade na moda brasileira?

Nos anos 90 poucos modelos chegavam às grandes agências. Existiam diversos requisitos, como altura, peso, cintura, quadril, entre outros parâmetros que nos deixavam diferentes da realidade para as passarelas. Éramos chamados de manequim e  aproveitados para campanhas publicitárias de fotos e vídeos. Fui mais valorizada fora do Brasil, onde já havia a proposta da  diversidade mesmo onde não havia modelos negros.

Patry Dias - Patrícia Dias- Diversidade- moda- brasileira
Patry Dias

Quase não havia  negros nas passarelas e quando tinha um já era o suficiente para nos representar. Geralmente os negros mais retintos eram usados para  fazer contraste e os negros mais claros, que se aproximavam mais da etnia branca, eram contratados para as publicidades.

Patry Dias - Patrícia Dias - Diversidade-Moda
Patry Dias

Quando os negros não tinham o cabelo raspado, eram alisados. Sem poder usar tranças e nem seus cabelos na forma natural. Sem contar que muitas fotos, dos negros mais retintos como eu, eram clareadas.

O tempo passou, os negros brasileiros começaram a ter mais visibilidade como consumidores, temos visto novos perfis de modelos. Mas será que algo mudou ?

Dessa vez eu convido diferentes tipos de modelos para falar sobre suas carreiras e suas experiências no mundo da moda no Brasil.

Dja Marthins

Considerada a  veterana dos palcos cariocas, graduada em artes cênicas, cantora e natural de Salvador. Me conta que começou na carreira como modelo incentivada por  mim, que já era sua amiga. Diz  a baiana arretada que  foi um grito de libertação, pois não queria ser somente dona de casa e esposa do Adalberto, ex-goleiro e eterno ídolo do Botafogo.

Dja Marthins ,confessa que fez cursos escondidos da família até chegar na universidade. Interessada em se capacitar, foi ser aluna do primeiro curso de modelo da terceira idade do SENAC, ministrado pela rigorosa manequim dos anos 60, Ilan Amaral, uma especialista em etiqueta, postura e técnicas de passarela.

Foi no curso de modelo com Ilan Amaral que eu aprendi a trocar de roupa, sem sujar de maquiagem e sem despentear o cabelo,  além de esquecer os seus sentimentos na hora de atuar, ensinamento  importante utilizado  por ela até hoje como atriz .

Todo o ano Dja Marthins,  aos 77 anos, faz algo na televisão, cinema ou teatro, mas não conhece modelos negros brasileiros na terceira idade.  Ela acredita que todos podem ser modelo, desde que atendam o perfil do seu público-alvo, mas na realidade não é tão fácil assim …

Sheila Siqueira

Sheila Siqueira - diversidade- moda
Sheila Siqueira

É  produtora aos 29 anos e trabalhava em um supermercado como operadora de caixa, onde sofreu vários preconceitos raciais que a levaram a ser quem é hoje.  Uma empresária que empodera e trabalha a aceitação do homem negro e da mulher negra.

Ela acredita que todos podem ser modelo, porque cada pessoa tem sua beleza.

Hoje Sheila Siqueira tem dois coletivos para modelos negros e um projeto onde, diz, “não temos estilos e nem padrões, até porque quem faz o nossos estilos somos nós.” 

A moda é universal e plural , ou seja, atende a todo mundo.

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Rogéria Cardeal Hta, jornalista e juíza arbitral 

Com 41 anos criou a Sindimodel, o Sindicato dos Modelos Profissionais do Estado do Rio de Janeiro, que luta pelo direito e condições dignas de trabalho. Contra o estereótipo de modelos para prostituição, assim como pela inclusão do negro na moda, pela igualdade de gênero e diversidade, incluindo pessoas com deficiências.

Rogéria Cardeal - Sindmodel- diversidade- moda brasileira
Rogéria Cardeal

Rogéria  Cardeal é mãe de três filhos e passou por diversas situações de racismo tanto no mundo da Moda, além de violência doméstica. Encontrou na militância, motivos para conquistar seus direitos e provar que é possível sonhar e concretizar sonhos.

Em 2013 ela  participou junto com a Educafro do manifesto por inclusão de negros nas passarela do Fashion Week. “Ali fomos informados da existência de um sindicato de modelos inativos e a possibilidade de poder lutar diretamente contra os desmandos e vícios do mercado da moda”, diz Rogéria.

Por meio de Magnum, militante da Educafro, hoje atual companheiro, buscou estudar a Constituição, as leis, e meios legais para reativar o sindicato.

Militância pela diversidade

Nesse processo contatou aqueles que estivessem interessados em unir forças para combater o racismo e incluir o negro no mercado da moda. Buscou fazer do sindicato uma organização antirracista, excluindo o estereótipos do exótico e de corpos hiper sexualizados e objetificados. Uma trincheira de defesa do , modelo profissional, sem permitir mais ao vexatório. Além disso atuou para consolidar conquistas já realizadas, como a Convenção Coletiva de Trabalho.

Para Rogéria, todas as pessoas podem ser modelo, independentemente da idade, credo, cor ou raça.  Uma vez que a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO 3764) inclui esta atividade e dá a oportunidade de trabalho  do nascimento aos cem anos. Segundo Rogéria,  vale salientar que, infelizmente, o mercado da moda, bem como as agências, produtores e bookers ainda permanecem na sua maioria trabalhando com o modelo com  biotipo europeu. 

Existem diferentes tipos de modelos, assim como o próprio mercado consumidor dita as regras para este diferencial.  E eles são:

  • Cbo 3764-5 Modelo artístico, Cbo 3764-10 Modelo de modas e Cbo 3764-15 Modelo Publicitário.

Rogéria afirma que os profissionais contratantes do setor precisam ter um olhar da diversidade e deixar de fora o material humano. Entre os modelos sêniores destaca: Naomi Campbell, Patry Dias e Dorothea Towles Chuch.

Rogéria ressalta que a moda deve atender todos os perfis de pessoas, pois todos consumimos moda, mas, infelizmente, não estamos nos vendo nas vitrines, revistas e jornais. Somos  consumidores, mas ainda não somos vistos nem tão poucos representados pela mídia em geral.

Keila Campbel

Keila Campbel-São Paulo Fashion Week- moda- diversidade
Keila Campbel

Miss Nova Iguaçu,  nascida e criada em comunidade foi desestimulada pelas pessoas ao seu redor quando falava de seu sonho de ser modelo. Mas, persistente, permaneceu com o sonho dentro de si.

Assim, em 2016, participou de um concurso pequeno e se tornou Miss Mesquita (município da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro). “Minha vida não era muito fácil, e mesmo assim eu tive a primeira vitória o que foi um encorajamento para  continuar. No ano seguinte resolvi entrar para uma agência do Rio e consegui novamente, apesar de não ser fácil. No final de junho de 2017 apareceu um casting para ir a São Paulo, mas no primeiro eu não passei. Somente em novembro de 2017, com uma nova oportunidade, consegui passar e assim, já em 2018, fui morar em São Paulo.

Persistência, determinação e propósito

diversidade na moda brasileira-Keila Campbel- miss nova iguaçu
Keila Campbel

Ao chegar lá, eu fiz o tão sonhado casting para o São Paulo Fashion Week. Fiquei morando na cidade por um tempo e adquiri vários conhecimentos e experiências. Voltei para o Rio de Janeiro no início de 2019, quando minha tia me falou de um concurso grande em Nova Iguaçu, o Miss Nova Iguaçu beemotion 2020, no qual eu me consagrei Miss Nova Iguaçu. Apesar da dificuldade, acredito que  podemos seguir se persistimos. Comecei a dar aulas beneficentes para pessoas que não podiam pagar para terem uma experiência no mundo da moda. Visito várias comunidades para levar esse universo para pessoas carentes.

Em 2020, participei do concurso estadual Miss e Mister Rio de Janeiro CNB 2020, e fiquei em 3° lugar. Mas não vou parar por aí, pois foram abertas muitas portas. Eu paro e penso que tudo que fiz teve um propósito”, relata Keila.

Keila Campbel é dona de uma beleza e acredita que todo mundo pode ser o que quiser, pois  quando se tem objetivos e propósitos se pode  chegar muito longe!

Modelos mais experientes, que são referência para ela, são as famosas Adrienne Fedelin, que possui uma estória incrível e Naomi Campbell a qual tem como ídola.

Keila diz que a moda começa entender que todo mundo tem um espaço nesse universo.

Fernanda Ladislau 

É modelo de moda, com seus 34 anos, aparentando 19, é capa de revista internacional. Por meio de um amigo fotógrafo que fez fotos de” brincadeira”  e postou no Instagram,  surgiram inúmeros convites de outros fotógrafos para ela tirar fotos. “Uma produtora me ofereceu um curso de moda e foi assim que tudo começou … “, diz  Fernanda 

Fernanda acredita que existem vários talentos escondidos esperando por uma oportunidade e que ela é um bom exemplo disso, pois nunca se imaginou  no mundo da moda.  As pessoas são diferentes nas suas características e tem que ter mercado para todos, ou  melhor,  deveria ter mercado para todos .

Entre modelos mais experientes no mercado, que se destacam, Fernanda cita a maravilhosa, Joani Johnson que, além de estar em várias campanhas internacionais, é uma das modelos da marca da cantora Rihanna. No Brasil,  Fernanda  destaca a Rojane, que não tem 50+, porém é um exemplo de modelo experiente e que tem vários trabalhos com grandes marcas no país.

“A moda deveria ser universal e plural, porém ainda é muito excludente atendendo só há um público específico. Nós pretos só somos lembrados pelas marcas no mês de novembro. Existe muitos movimentos para a inclusão do negro na internet, porém, na vida real, a inclusão proporcionalmente ainda é insignificante”, comenta Fernanda ….

Espero que vocês tenham gostado e entendido, mediante todos os depoimentos dessas incríveis  profissionais, que só um book de fotos e um curso de modelo , pode não fazer de você um TOP Model, mas pode ser  uma ferramenta para a sua autoestima  e para o seu sucesso !

Contatos  das beldades

Patrícia Dias – Instagram/Facebook: @patrydiasoficial 

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